segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Um Eremita em Paris. Italo Calvino. «A história que me interessa contar são sempre histórias de uma procura da completude humana, de uma integração, a alcançar através de provas práticas e morais ao mesmo tempo, para lá das alienações e dos esquartejamentos que são impostos ao homem contemporâneo»


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Quer indicar-nos em síntese o cânone estético a que adere?
«Algumas das minhas ideias gerais sobre a literatura expu-las numa conferência em (…) publicada recentemente numa revista. Por agora não acrescento mais nada. Seja bem claro porém que evito o pretender conseguir realizar o que tenho vindo a predicar. Eu escrevo como consigo escrever, de vez em quando.
De que ambiente, e de que personagens e situações gosta de deduzir os seus temas?
Ainda não o percebi muito bem, e deve ser esta a razão do meu frequente mudar de registo. Em quase todas as minhas coisas melhores encontra-se o cenário da Riviera, e por isso associam-se muitas vezes a um mundo infantil e adolescente. Do ponto de vista da fidelidade aos meus temas, o ter-me separado da terra da infância e dos antepassados subtraiu-me um alimento seguro, mas por outro lado não se pode falar de nada disso se ainda se estiver lá dentro. De Turim, que por muitas e profundas razões é a minha cidade de opção, há muito que tento escrever mas nunca me sai bem. Talvez precise de deixá-la, para conseguir. Quanto às classes sociais não posso dizer que sou o escritor de uma em vez de outra. Enquanto escrevi sobre os ‘partisans’ tenho a certeza de que ia bem: dos ‘partisans’ percebi muitas coisas e através deles meti o nariz em muitas camadas até mesmo à margem da sociedade. Os operários, que me interessam muito, ainda não sei fazê-los. Uma história é estar interessado numa coisa, outra é saber representá-la. Não é que me desencoraje: hei-de aprender, mais tarde ou mais cedo. Na minha classe, que afinal é a burguesia, não tenho muitas raízes, dado que nasci numa família não conformista, avessa ao costume corrente e às tradições; e tenho de dizer que a burguesia também não me interessa muito, nem mesmo polemicamente. Todos estes raciocínios faço-os porque me pus a responder à pergunta e não por serem problemas que me perturbem o sono. A história que me interessa contar são sempre histórias de uma procura da completude humana, de uma integração, a alcançar através de provas práticas e morais ao mesmo tempo, para lá das alienações e dos esquartejamentos que são impostos ao homem contemporâneo. É, aqui que penso que se deve procurar a unidade poética e moral da minha obra.

Que ficcionista italiano contemporâneo prefere? E dos mais jovens, qual o interessa mais?
Creio que Pavese é o mais importante, mais complexo e mais denso escritor italiano do nosso tempo. Sobre qualquer problema que se levante, não podemos deixar de lhe fazer referência, como literato e como escritor.
O discurso iniciado por Vittorini também teve muita influência na minha formação. Digo iniciado porque hoje temos a impressão de um discurso que ficou a meio, que esperamos que seja retomado. Mais tarde, superada a fase do interesse predominante pelas novas experiências de linguagem, aproximei-me de Moravia, que é o único em Itália a ser escritor de um certo modo a que chamarei ‘institucional’: ou seja, a dar periodicamente obras em que são fixadas pouco a pouco as definições morais do nosso tempo, ligadas aos costumes, aos movimentos da sociedade, e a orientações gerais de pensamento. A inclinação stendhaliana faz-me simpatizar com Tobino, embora não possa perdoar-lhe o vício de se vangloriar de ser provinciano e para mais toscano. Uma particular predilecção e amizade tenho-a por Carlo Levi, acima de tudo pela sua polémica anti-romântica, e depois porque a sua narrativa não de invenção, penso que é o caminho mais sério para uma literatura social e problemática, embora não concorde com a sua afirmação de que ela deverá hoje em dia substituir o romance, o qual na minha opinião serve para outras coisas.


E chegamos aos mais jovens. No exíguo manípulo dos nascidos por volta de 1915, Cassola e Bassani puseram-se a estudar certas dissidências da consciência italiana burguesa, e os seus contos são os mais interessantes que se podem ler hoje; mas a Cassola censuro uma certa epidermicidade de reacções nas relações humanas, e a Bassani o fundo de crepuscularismo precioso. Entre nós mais jovens que começámos a trabalhar sobre um modelo de conto ‘tough’, movimentado, plebeu, o que avançou mais que todos foi Rea. Agora existe Pasolini, um dos primeiros da geração já antes como poeta e como literato, que escreveu um romance em relação ao qual oponho muitas reservas de ‘poética’ mas que quanto mais o repensamos mais o sentimos resistente e realizado». In Italo Calvino, Um remita em Paris, Editorial Teorema, 1990, ISBN 972-695-265-4.

Cortesia de Teorema/JDACT