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Quer indicar-nos em síntese o
cânone estético a que adere?
«Algumas das minhas ideias gerais sobre a literatura expu-las numa conferência
em (…) publicada recentemente numa revista. Por agora não acrescento mais nada.
Seja bem claro porém que evito o pretender conseguir realizar o que tenho vindo
a predicar. Eu escrevo como consigo escrever, de vez em quando.
De que ambiente, e de que
personagens e situações gosta de deduzir os seus temas?
Ainda não o percebi muito bem, e deve ser esta a razão do meu frequente
mudar de registo. Em quase todas as minhas coisas melhores encontra-se o
cenário da Riviera, e por isso associam-se muitas vezes a um mundo infantil e
adolescente. Do ponto de vista da fidelidade aos meus temas, o ter-me separado
da terra da infância e dos antepassados subtraiu-me um alimento seguro, mas por
outro lado não se pode falar de nada disso se ainda se estiver lá dentro. De
Turim, que por muitas e profundas razões é a minha cidade de opção, há muito
que tento escrever mas nunca me sai bem. Talvez precise de deixá-la, para
conseguir. Quanto às classes sociais não posso dizer que sou o escritor de uma
em vez de outra. Enquanto escrevi sobre os ‘partisans’ tenho a certeza de que
ia bem: dos ‘partisans’ percebi muitas coisas e através deles meti o nariz em
muitas camadas até mesmo à margem da sociedade. Os operários, que me interessam
muito, ainda não sei fazê-los. Uma história é estar interessado numa coisa,
outra é saber representá-la. Não é que me desencoraje: hei-de aprender, mais tarde
ou mais cedo. Na minha classe, que afinal é a burguesia, não tenho muitas raízes,
dado que nasci numa família não conformista, avessa ao costume corrente e às
tradições; e tenho de dizer que a burguesia também não me interessa muito, nem
mesmo polemicamente. Todos estes raciocínios faço-os porque me pus a responder
à pergunta e não por serem problemas que me perturbem o sono. A história que me
interessa contar são sempre histórias de uma procura da completude humana, de
uma integração, a alcançar através de provas práticas e morais ao mesmo tempo,
para lá das alienações e dos esquartejamentos que são impostos ao homem
contemporâneo. É, aqui que penso que se deve procurar a unidade poética e moral
da minha obra.
Que ficcionista italiano
contemporâneo prefere? E dos mais jovens, qual o interessa mais?
Creio que Pavese é o mais importante, mais complexo e mais denso escritor
italiano do nosso tempo. Sobre qualquer problema que se levante, não podemos
deixar de lhe fazer referência, como literato e como escritor.
O discurso iniciado por Vittorini também teve muita influência na minha
formação. Digo iniciado porque hoje temos a impressão de um discurso que ficou
a meio, que esperamos que seja retomado. Mais tarde, superada a fase do
interesse predominante pelas novas experiências de linguagem, aproximei-me de
Moravia, que é o único em Itália a ser escritor de um certo modo a que chamarei
‘institucional’: ou seja, a dar periodicamente obras em que são fixadas pouco a
pouco as definições morais do nosso tempo, ligadas aos costumes, aos movimentos
da sociedade, e a orientações gerais de pensamento. A inclinação stendhaliana
faz-me simpatizar com Tobino, embora não possa perdoar-lhe o vício de se
vangloriar de ser provinciano e para mais toscano. Uma particular predilecção e
amizade tenho-a por Carlo Levi, acima de tudo pela sua polémica anti-romântica,
e depois porque a sua narrativa não de invenção, penso que é o caminho mais
sério para uma literatura social e problemática, embora não concorde com a sua afirmação
de que ela deverá hoje em dia substituir o romance, o qual na minha opinião
serve para outras coisas.
E chegamos aos mais jovens. No exíguo manípulo dos
nascidos por volta de 1915, Cassola e Bassani puseram-se a estudar certas
dissidências da consciência italiana burguesa, e os seus contos são os mais
interessantes que se podem ler hoje; mas a Cassola censuro uma certa
epidermicidade de reacções nas relações humanas, e a Bassani o fundo de
crepuscularismo precioso. Entre nós mais jovens que começámos a trabalhar sobre
um modelo de conto ‘tough’, movimentado, plebeu, o que avançou mais que todos
foi Rea. Agora existe Pasolini, um dos primeiros da geração já antes como poeta
e como literato, que escreveu um romance em relação ao qual oponho muitas
reservas de ‘poética’ mas que quanto mais o repensamos mais o sentimos
resistente e realizado». In Italo Calvino, Um remita em Paris, Editorial
Teorema, 1990, ISBN 972-695-265-4.
Cortesia de Teorema/JDACT