sábado, 11 de agosto de 2012

José Marques. Os Pergaminhos da Confraria de S. João do Souto da cidade de Braga (1186-1545). «A criação da paróquia de S. João do Souto e a transferência da antiga igreja de Pedro Ourives com todos os seus bens da ordem do Hospital para a jurisdição do arcebispo desencadeou um conflito entre João Peculiar»


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«No mesmo dia, 9 de Fevereiro de 1150, Pedro Ourives e Elvira Mides, sua esposa, doaram à ‘Ordem do Hospital’ na pessoa do referido Paio, agora designado como ‘prior’ a igreja também por eles construída em honra de S. João Baptista, no subúrbio oriental da cidade de Braga. Tratava-se da Igreja de S. João do Souto. A dádiva incluía as casas existentes ou a construir junto da igreja, além de outras propriedades e moinhos, em condições minuciosamente descritas. Por este documento ficamos a saber que, além das motivações de ordem espiritual na ‘arenga’, esta generosa oferta visava, de algum modo, recompensar o Prior do Hospital por ter dado ao arcebispo um cálice de ouro, outrora pertencente a Paio Guterres, descrevendo, ao mesmo tempo, as penhoras que nele incidiram.
Da importância deste acto diz bem o facto de ele ter sido confirmado pelo arcebispo João Peculiar, por Afonso Henriques e pelos dignitários capitulares.
É esta a primeira alusão conhecida à igreja de S. João do Souto, que era e continuou a ser particular, embora na posse de uma ordem religiosa militar, até ser elevada a igreja paroquial.

Documento nº 1
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Está por esclarecer o que se passou, pouco depois, com os hospitalários, mas não há dúvida de que Pedro Ourives recuperou a posse da igreja, pois, em 12 de Julho de 1161, vivamente reconhecido por ter sido elevada a sede paroquial, doou-a com todo o seu património a João Peculiar e a Sé de Braga. Tratava-se, é certo, de uma pequena paróquia suburbana, erecta sobre uma igreja privada assim tornada pública, cuja área abrangia apenas algumas ruas abertas num ambiente ainda bastante ruralizado.
Não se dispõe de elementos seguros para proceder à sua delimitação rigorosa, mas pode-se afirmar qaue era essencialmente constituída por quatro ruas, das quais uma se estendia desde a porta da quinta do arcebispo até à mencionada Igreja, outra principiava junto das casas dos mestres Pedro Eita e Alberto, passava pelo forno da infanta D. Sancha e terminava na confluência de três vias, ao casal de Mido, e, finalmente, além da Rua dos Cegos, contava ainda com a Rua Nova, prolongada até ao postigo de acesso à vinha do cabido ou canónica bracarense.
A criação da paróquia de S. João do Souto e a transferência da antiga igreja de Pedro Ourives com todos os seus bens da ordem do Hospital para a jurisdição do arcebispo desencadeou um conflito entre João Peculiar e seu cabido e o procurador da Ordem do Hospital, Pedro Mouro, que fez subir a questão ao tribunal régio, vindo a terminar pela seguinte composição:
  • O prelado e o cabido pagavam oitenta morabitinos aos Hospitalários e estes desistiam de todas as apelações até então interpostas contra os primeiros outorgantes. Apesar destas vicissitudes, o documento mais antigo do arquivo da Confraria de S. João do Souto, datado de Abril de 1186, conserva intacta a memória de que esta igreja pertenceu a Pedro Ourives ‘ecclesia que fuit Petri Aurificis’».
In José Marques, Os Pergaminhos da Confraria de S. João do Souto da cidade de Braga (1186-1545), revista Bracara Augusta, vol. XXXVI, números 81 e 82, Braga, 1982.


Cortesia de Livraria Cruz/JDACT