quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária. Álvaro Manuel Machado. «Aliás, ao falar de revolução cultural, não nos esqueçamos de que a palavra cultura é derivada do particípio do verbo latino colere, portanto, de cultivar a terra. Por mais revolucionária que seja, a cultura tende sempre para uma estabilidade, ‘telúrica’, do saber, tanto individual como colectivo»


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«Está talvez nesta preocupação, propriamente de revolução cultural, a grande originalidade de um Antero de Quental, para lá mesmo das suas visionárias preocupações sociais e das suas igualmente visionárias inquietações metafísicas, bem como a de um Eça de Queirós, para lá mesmo das suas sucessivas e contraditórias experiências estéticas, que vão do decadentismo, do dandismo e do pré-simbolismo baudelairianos ao naturalismo de Flaubert e ao realismo ‘total’ de Zola. Revolução cultural no sentido de, esquematicamente:
  • a Geração de 70 repensar e pôr em questão toda a cultura portuguesa desde as suas origens, fixando-se no ponto mais elevado e também mais complexo da história de Portugal, isto é, o período das Descobertas;
  • a Geração de 70 preparar, pelo menos numa fase inicial, activamente, uma profunda transformação na ideologia política e na estrutura social portuguesas, isto é, a revolução republicana de 1910, com tudo o que ela teve de culturalmente positivo e negativo, e isto apesar da nítida separação entre socialismo e republicanismo, verificada sobretudo a partir da polémica entre Antero e Teófilo Braga a propósito da Teoria da História da Literatura Portuguesa, publicada por Teófilo em 1872.
Aliás, ao falar de revolução cultural, não nos esqueçamos de que a palavra cultura é derivada do particípio do verbo latino colere e que, portanto, está pela sua origem, primeiro: ligada à acção, bem romana, de cultivar a terra (colere agros); depois, a partir de Cícero, à cultura animi, ou seja, à acção de modificar o espírito cultivando-o. O que significa que, por mais revolucionária que seja, a cultura tende sempre para uma estabilidade, que é propriamente a forma sólida, ‘telúrica’, do saber, tanto individual como colectivo.
A Geração de 70 não escapa, nem, aliás, tenta escapar, a esta regra geral. Bem pelo contrário: é uma geração que, para revolucionar culturalmente, procura uma profunda e congregadora tradição cultural. Daí que, estando sem dúvida aberta, mais do que a Geração de 1830, a todas as formas da cultura universal, tende a fazer renascer uma cultura portuguesa, ou antes, uma ideia da cultura portuguesa.
Por outro lado, se é certo que na base de toda a forma de cultura está a linguagem como sistema de símbolos verbais indispensável à comunicação entre os homens, a Geração de 70 criou a sua linguagem própria, a qual anuncia nos seus momentos mais elevados a linguagem modernista de um Fernando Pessoa ou de um Sá-Carneiro. Sobretudo Fernando Pessoa, criador de paradoxos enraízados nos paradoxos da história de Portugal. Fernando Pessoa que está finalmente mais próximo de um Eça de Queirós do que à primeira vista se poderá supor. 


Geração e Élite
Por último, haverá a notar nesta introdução ao estudo da Geração de 70 que o conceito, sempre tão ambíguo, de ‘geração’ é aqui adoptado na sua acepção mais restrita de criação de ideias e de obras em que essas ideias se reflectem por um determinado número, inevitavelmente restrito, de grandes figuras da literatura portuguesa num determinado momento de confluência de tendências culturais. O sentido cronológico do termo ‘geração’ só será, portanto, muito parcialmente respeitado. Quer isto dizer que se evitará a mera enumeração enciclopédica, embora se tenha a preocupação de proporcionar uma breve visão cronológica geral». In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT