quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Passeio Aleatório. Pela Ciência do Dia-a-Dia. Nuno Crato. «O exercício do cálculo mental e a memorização, nomeadamente da tabuada, ajudam a desenvolver regiões do próprio cérebro e capacitam os jovens para outras actividades. Há uma janela de oportunidade para essa aprendizagem…»



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A Tabuada e a Máquina de Calcular
«Num conto magnífico incluído na colecção ‘Nove Amanhãs’, Isaac Asimov (1920-1992) imagina uma civilização do futuro que se tinha esquecido da tabuada e dos algoritmos das quatro operações. Apenas as máquinas conseguiam fazer contas. Os seres humanos tinham de as usar para todos os cálculos, mesmo os mais elementares.
Ninguém se interrogava sobre o que as calculadoras faziam. Mas a certa altura aparece um jovem técnico que começa a ficar curioso. Repara em certas regularidades e constrói uma tabuada. Pouco a pouco, percebe o mecanismo das operações e começa a fazer contas. Afirma com toda a confiança:
  • Três vezes sete, vinte e um... quatro vezes oito, trinta e dois...
Os amigos duvidam e vão verificar os resultados com a máquina. Dá certo! Dá sempre certo! ‘Soma agora 23 com 48! Dá 71! E não é que dá mesmo!?...’
A história foi escrita em 1958 e parece premonitória.
De facto, há hoje muitos jovens estudantes que sacam das máquinas para resolver as operações mais elementares. Habituaram-se a isso quando estavam na escola e já não o sabem fazer de outra maneira. Ora fazer contas mentalmente é muito útil no dia-a-dia. Serve para comparar preços no supermercado, fazer trocos, medir o tempo, deitar contas à vida...
Mas há mais. O exercício do cálculo mental e a memorização, nomeadamente da tabuada, ajudam a desenvolver regiões do próprio cérebro e capacitam os jovens para outras actividades. Há uma janela de oportunidade para essa aprendizagem. Privá-los desse treino em tenra idade é limitá-los no seu desenvolvimento intelectual futuro.
É o que se está a passar com muitos jovens. E a culpa não é deles. Com o pretexto da "aprendizagem significativa” atacaram-se os "vícios da memorização”, mas errou-se o alvo. Leia-se o programa de Matemática do 1.º ciclo aprovado em 1990. Diz-se aí que a "máquina de calcular não pode deixar de ter lugar no 1.º Ciclo" (jovens dos 6 aos 10 anos). Fala-se nos "cálculos obtidos, utilizando algoritmos ou a máquina de calcular" e depois diz-se que na sala de aula "o professor permitirá que cada criança utilize, com liberdade, o que lhe for mais conveniente”. Ou seja, diz-se que o professor não pode impedir uma criança de 6 a 1.0 anos de usar a calculadora sempre que ela o queira fazer.
Felizmente, a maioria dos professores tem mais bom senso que os teóricos da pedagogia romântica e percebe bem esta verdade simples: permitir ao aluno o uso da máquina de calcular sempre que o queira é caminho certo para o impedir de desenvolver o cálculo mental.
Dito tudo isto, é preciso acrescentar que a calculadora devia ser mais usada no ensino secundário. Sobretudo, mais bem usada. Nessa altura começam a aparecer frequentemente contas muito difíceis, impossíveis de resolver manualmente. É preciso conhecer melhor a máquina de calcular para poder enfrentar esses novos desafios. Mas há muitos alunos que chegam à universidade sem saber calcular exponenciais, logaritmos ou tangentes, pois nunca perceberam as correspondentes funções das suas máquinas. É triste, mas por vezes parece que andamos a fazer as coisas ao contrário». In Nuno Crato, Passeio Aleatório, pela Ciência do Dia-a-Dia, Gradiva, Ciência Aberta, 2009, ISBN 978-989-616-216-0.

Cortesia de Gradiva/JDACT