terça-feira, 16 de outubro de 2012

A Alma Secreta de Portugal. A Reabilitação Científica do Esoterismo. «Graças à sua acção, hoje a Quinta da Regaleira pode ser um espaço onde, através da sua beleza, da sua arquitectura e do seu complexo simbólico, milhares de pessoas têm tido acesso de uma forma agradável…»

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A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes
«O termo esoterismo, tal como hoje é aplicado num sentido tradicional e filosófico, deve-se a Alfonso Luis Constant, mais conhecido pelo pseudónimo Étiphas Levi, mas a sua origem encontramo-la na Grécia antiga. O termo esoterikós significava “peculiar aos de dentro, da intimidade" e era aplicado, sobretudo, à doutrina ocultada, oral, reservada aos discípulos de Platão e de Pitágoras, em contraponto aos ensinamentos exotéricos veiculados por escrito e destinados a um público mais amplo. Os neoplatónicos e os diversos movimentos gnósticos continuaram com esta tradição. Embora envoltos num certo véu, alguns desses conhecimentos esotéricos foram divulgados nos últimos séculos, o que permitiu o início da sistematização do seu estudo. Distinguimos no esoterismo tradicional uma vertente filosófica, preparatória, e outra mistérica, operativa. Consideramos que apenas têm chegado ao público ensinamentos relativos ao esoterismo filosófico, cujo estudo merece a maior atenção. Aliás, alguns centros universitários do mundo ocidental, entre os quais a secção dirigida por Antoine Faivre na Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne, já têm obtido resultados animadores nessa área.
José Manuel Anes é um profundo conhecedor de todo este processo de reabilitação científica do esoterismo. Por essa razão, consideramos um privilégio a inserção da presente entrevista neste trabalho.
José Manuel Anes, conhecendo, em profundidade, o método científico aplicado tanto na área das ciências exactas como na área das ciências humanas, pode afirmar-se que, desta forma, tem um acesso privilegiado a essa coincidentia oppositorum proposta pela ciência pós-moderna, onde o tema, integrador da pluridisciplinaridade, se sobrepõe à disciptina estanque. O mestre Lima de Freitas apelidou-o de “cientista idóneo e hermetista operativo”. Tem demonstrado possuir um espírito de tolerância e um eclectismo nem sempre comuns nos meios intelectuais portugueses.
Desempenhou um papel fundamental para que o projecto de converter a Quinta da Regaleira num empreendimento turístico não fosse aprovado, tendo em conta o grande interesse histórico e cultural do monumento. Graças à sua acção, hoje a Quinta da Regaleira pode ser um espaço onde, através da sua beleza, da sua arquitectura e do seu complexo simbólico, milhares de pessoas têm tido acesso de uma forma agradável e pedagógica à temática da identidade mítica de Portugal e do esoterismo simbólico.
Realizámos esta entrevista precisamente nos jardins da Quinta da Regaleira. Dividimo-la em duas partes: a primeira consagrada à Reabilitação Científica do Esoterismo e a segunda à Quinta da Regaleira e ao Portugal Imaginal.


Paulo: Observando a evolução da história das ideias nos últimos séculos, constatamos que Descartes, o iluminismo e, posteriormente, o positivismo, surgem, de certa forma, como uma reacção a um excessivo dogmatismo religioso. Desta forma, a ciência foi-se afastando da religião...
José: Foi uma etapa inevitável...
Paulo: Inevitável em consequência do chamado "pêndulo da história". No final do século XX surge uma reaproximação entre a ciência e a religião, por exemplo com Mircea Eliade, e, em paralelo, certos investigadores da craveira de um Antoine Faivre e de um Gilbert Durand incluíram o esoterismo no estudo da história das ideias e das mentalidades, como um dos pilares do pensamento ocidental.
José: Há, de facto, a partir de meados do século XX, uma recuperação e uma dignificação do esoterismo como objecto de estudo, digamos, académico, universitário, por parte de vários investigadores, entre os quais Antoine Faivre, professor da Escola Prática de Altos Estudos-Sorbonne (secção de ciências religiosas), que é, realmente, o nome mais notável do estudo académico do esoterismo, mas há uma raiz e essa raiz assenta num grupo de investigadores de nomeada que se reuniram durante anos seguidos....
Paulo: No ’Círculo Eranos’...
José: Exactamente, em Ascona, na Suíça, ao pé do Lago Major, a partir dos anos trinta e quarenta. Esse grupo de investigadores diverso constituiu a origem desse interesse sério pelo esoterismo. Antoine Faivre integra o Círculo Eranos já numa fase tardia, porque ele ainda era muito jovem relativamente aos fundadores desse grupo. E estes fundadores quem eram? Era Carl Gustav Jung, Mircea Eliade e depois também Henry Corbin e Gilbert Durand, entre muitos outros... (Continua).
In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.

Cortesia de Ésquilo/JDACT