«Quem será o herdeiro? Os velhos partidos, naturalmente?
Mas os velhos partidos estão julgados e condenados pela opinião, e
sobre tudo pelos próprios actos. O que significa qualquer deles no poder, senão
a repetição dos mesmos erros, das mesmas tendências e dos mesmos homens?
Ora a política é movimento e novidade. Recuar dois anos ou quatro anos
atrás não é política: é simples arqueologia. Em Portugal é, sobretudo,
paleontologia. Se os velhos programas foram reprovados, e pateados os velhos
homens, será porventura uma solução política levá-los outra vez ao poder? Para quê?
Para os reprovar e patear de novo? Em tal caso, fora então a política um
círculo vicioso sem significação, e a história uma sabatina banal e tediosa. Mas
a História é movimento e progresso.
Assim, pois, a história contemporânea de Portugal, ou se há-de
imobilizar, como a da China, ou sair dos velhos partidos, buscando horizontes
novos, como convém a um povo que não condescende benevolamente com a morte que
o invade. Um Fontes, um Loulé, um bispo de Viseu, serão sempre, dadas as
prisões partidárias que os ligam, a idade que contam, e a incapacidade de
renovação intelectual que os caracteriza, serão sempre o mesmo bispo de Viseu,
o mesmo Fontes, o mesmo Loulé. Tudo isto está visto e sabido. Não vale a pena
recomeçar a Regeneração ou o Movimento de Janeiro.
Logo, a crise excede os velhos partidos constitucionais. Vai além do
que eles podem e sabem. A política tradicional, reduzida ao absurdo pelos
factos, não está à altura das exigências da situação. Mas, pergunta-se: não
poderão surgir novos partidos dentro do Constitucionalismo?
Novos grupos, podem: novos partidos, é impossível. Guerrilhas,
certamente: exércitos, de modo algum. E porque não podem?
Porque é exactamente o Constitucionalismo que os torna a eles, a esses
velhos partidos, absolutamente impotentes. Porque é a contradição ingénita do
sistema que esteriliza e anula os homens. Porque é a organização monárquica,
com as suas peias, as suas exigências, as suas despesas, que reduz a nada a
inteligência administrativa e a habilidade política da Regeneração, como põe em
cheque o patriotismo sincero e a boa vontade popular dos homens de Janeiro.
Dentro deste círculo moral e nesta atmosfera miasmática, que poderá ser
um novo partido constitucional?
Para ele serão as mesmas exigências duma política de contradição, a que
se votará à nascença. Encontrará os mesmos prejuízos, que a sua origem o
obrigará a respeitar. Será tão incapaz, tão ininteligente e tão corrupto como
os seus antecessores (239)».
Parte do artigo publicado in “A República”, 1870, nº 7.
In J. Oliveira
Martins, Páginas Desconhecidas, O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870 e a
Ditadura de Saldanha, Seara Nova 1948, Lisboa.
continua
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