«Nas Cortes de Santarém de 1331, fez-se ouvir o protesto de alguns
concelhos contra o facto de se exigirem montadas de certa quantia a quem estava
dispensado de jugada, quando o seu próprio foro isentava desse tributo aqueles
que tivessem um cavalo. A resposta de Afonso IV foi breve, mas desfez todos os
equívocos, lembrando que isso seria “strago da terra e mingua e uergonça”,
porque a jugada não lhes fôra quitada “por teerem tal caualo com que nom
podesen seruir nem defender a terra.
Nem sempre estas disposições da Coroa seriam
postas em prática com muita facilidade. Em muitos casos, não era fácil distinguir
os cavaleiros de carneiro dos de quantia, sobretudo quando aqueles possuíam uma
boa montada e alguns apetrechos militares. Talvez fosse essa a situação
descrita em Tomar, em Abril de 1385, como já atrás se indicou. Noutras
localidades, as dificuldades podiam nascer de um uso diverso das montadas, como
o monarca autorizara que se fizesse em Penacova, por sentença de Setembro de
1317. De acordo com o protesto levado às Cortes de 1331, ocorria algo de
semelhante em Santarém, onde os cavaleiros eram penhorados pela jugada por
andarem em bestas muares, embora dissessem servir o rei com cavalo e armas.
Apesar dos esforços da Coroa, o carácter híbrido destas situações acabava por
favorecer, afinal, a defesa dos antigos costumes, como que justificando as
referências aos cavaleiros de carneiro que se lêem nalguns capítulos de Cortes
do reinado de Fernando I e que se rastreiam, ainda, noutros textos de épocas
mais tardias.
Nas vilas de Arruda e de Alcanede, a execução
das cartas de Agosto de 1390 e de Novembro de 1424 também conheceu diversas
contrariedades. Em Alcanede, a oposição do concelho obrigou o mestre de Avis a
ganhar uma nova carta régia, em Setembro de 1390, sem que isso o dispensasse de
assegurar a posse de treslados fiéis desses documentos, talvez devido aos
entraves postos pelo concelho em diversas ocasiões. A reacção dos vizinhos de
Arruda foi ainda mais decidida na defesa da honra e dos privilégios fiscais dos
seus cavaleiros. Os dados disponíveis não permitem reconstituir os meandros desse
confronto, nem conhecer os meios a que o concelho recorreu para obstar à
aplicação da carta de 1424, mas é provável que esta nunca tenha sido cumprida.
A suspeita de João I tinha, portanto, algum fundamento, quando ressalvou a
existência de um pacto particular na carta que outorgara ao Infante.
O recuo da Ordem foi reconhecido por um
alvará do Infante João, passado em Alcácer, a 15 de Fevereiro de 1434. Dirigido
aos juízes da vila, cometia-lhes a tarefa de elaborarem um registo dos costumes
locais, feito na presença do escrivão do almoxarifado, de modo a inventariar os
direitos da Ordem e a esclarecer, dizia, “alguuas duujdas que se recreçerom”.
Como se isso não lhe dissesse respeito, o Infante omitiu a natureza dessas
dúvidas, embora todos soubessem o que estava em jogo na passagem a escrito dos
costumes da vila. Na única versão conhecida desses costumes, a que foi copiada,
em Março de 1488, para a acta da visitação à vila, a maior parte das verbas diz
respeito ao foro e às liberdades dos cavaleiros locais, a que se juntou uma
regulamentação do relego e do oitavo pago pelos outros moradores da vila. De
resto, a própria realização deste treslado, que se fez preceder pela cópia do
alvará do Infante, revela como as prioridades da Ordem se tinham alterado, já
que ele terá sido motivado pelo reconhecimento do valor das cavalarias no
conjunto das rendas cobradas na vila. Segundo o testemunho dos visitadores de
1488, as libras pagas durante o mês de Maio ascendiam então a cerca de 15 % dos
rendimentos da milícia, certamente porque muitos proprietários se faziam
cavaleiros de costume, como então ficou anotado». In Luís Filipe Oliveira, Os cavaleiros de
carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura, Os casos de Arruda e de
Alcanede, Companhia Portuguesa Editora, 1925, Medievalista, Instituto de
Estudos Medievais, Universidade do Algarve, 2005.
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