A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes
«O termo esoterismo, tal como hoje é aplicado num sentido tradicional e
filosófico, deve-se a Alfonso Luis Constant, mais conhecido pelo pseudónimo
Étiphas Levi, mas a sua origem encontramo-la na Grécia antiga. O termo esoterikós significava “peculiar aos de dentro, da intimidade"
e era aplicado, sobretudo, à doutrina ocultada, oral, reservada aos discípulos
de Platão e de Pitágoras, em contraponto aos ensinamentos exotéricos veiculados
por escrito e destinados a um público mais amplo. Os neoplatónicos e os
diversos movimentos gnósticos continuaram com esta tradição. Embora envoltos num
certo véu, alguns desses conhecimentos esotéricos foram divulgados nos últimos
séculos, o que permitiu o início da sistematização do seu estudo. Distinguimos
no esoterismo tradicional uma vertente filosófica, preparatória, e outra
mistérica, operativa. Consideramos que apenas têm chegado ao público
ensinamentos relativos ao esoterismo filosófico, cujo estudo merece a maior
atenção. Aliás, alguns centros universitários do mundo ocidental, entre os
quais a secção dirigida por Antoine Faivre na Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne, já têm obtido
resultados animadores nessa área.
José Manuel Anes é um profundo conhecedor de todo este processo de
reabilitação científica do esoterismo. Por essa razão, consideramos um
privilégio a inserção da presente entrevista neste trabalho.
José Manuel Anes, conhecendo, em profundidade, o método científico
aplicado tanto na área das ciências exactas como na área das ciências humanas,
pode afirmar-se que, desta forma, tem um acesso privilegiado a essa coincidentia oppositorum proposta pela
ciência pós-moderna, onde o tema,
integrador da pluridisciplinaridade, se sobrepõe à disciptina estanque. O mestre Lima de Freitas apelidou-o de “cientista idóneo e hermetista operativo”.
Tem demonstrado possuir um espírito de tolerância e um eclectismo nem sempre
comuns nos meios intelectuais portugueses.
Desempenhou um papel fundamental para que o projecto de converter a
Quinta da Regaleira num empreendimento turístico não fosse aprovado, tendo em
conta o grande interesse histórico e cultural do monumento. Graças à sua acção,
hoje a Quinta da Regaleira pode ser um espaço onde, através da sua beleza, da
sua arquitectura e do seu complexo simbólico, milhares de pessoas têm tido
acesso de uma forma agradável e pedagógica à temática da identidade mítica de
Portugal e do esoterismo simbólico.
Realizámos esta entrevista precisamente nos jardins da Quinta da Regaleira.
Dividimo-la em duas partes: a primeira consagrada à Reabilitação Científica do
Esoterismo e a segunda à Quinta da Regaleira e ao Portugal Imaginal.
Paulo: Observando a evolução da
história das ideias nos últimos séculos, constatamos que Descartes, o
iluminismo e, posteriormente, o positivismo, surgem, de certa forma, como uma reacção
a um excessivo dogmatismo religioso. Desta forma, a ciência foi-se afastando da
religião...
José: Foi uma etapa inevitável...
Paulo: Inevitável em consequência
do chamado "pêndulo da história". No final do século XX surge uma
reaproximação entre a ciência e a religião, por exemplo com Mircea Eliade, e,
em paralelo, certos investigadores da craveira de um Antoine Faivre e de um
Gilbert Durand incluíram o esoterismo no estudo da história das ideias e das mentalidades,
como um dos pilares do pensamento ocidental.
José: Há, de facto, a partir de meados do século XX, uma recuperação e
uma dignificação do esoterismo como objecto de estudo, digamos, académico,
universitário, por parte de vários investigadores, entre os quais Antoine Faivre,
professor da Escola Prática de Altos Estudos-Sorbonne (secção de ciências
religiosas), que é, realmente, o nome mais notável do estudo académico do
esoterismo, mas há uma raiz e essa raiz assenta num grupo de investigadores de
nomeada que se reuniram durante anos seguidos....
Paulo: No ’Círculo Eranos’...
José: Exactamente, em Ascona, na Suíça, ao pé do Lago Major, a partir
dos anos trinta e quarenta. Esse grupo de investigadores diverso constituiu a
origem desse interesse sério pelo esoterismo. Antoine Faivre integra o Círculo
Eranos já numa fase tardia, porque ele ainda era muito jovem relativamente aos
fundadores desse grupo. E estes fundadores quem eram? Era Carl Gustav Jung,
Mircea Eliade e depois também Henry Corbin e Gilbert Durand, entre muitos
outros... (Continua).
In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições &
Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.
Cortesia de Ésquilo/JDACT