quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Expansão Quatrocentista Portuguesa. Vitorino Magalhães Godinho. «A partir de cerca de 1277, de Génova uma pequena frota de galés parte anualmente para o Poente, para Inglaterra e Flandres. Em começos de Trezentos, Veneza seguirá as pegadas da sua rival»

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«Cite-se, mais perto, o Archivo Historico Portuguez, onde se publicaram as cartas de quitação do reinado de Manuel I, os documentos da Feitoria de Flandres, o numeramento de 1531. Pedro de Azevedo e Laranjo Coelho reuniram os documentos das chancelarias Reais e António Baião os do Corpo Cronológico relativos a Marrocos, Pierre Cénival e Robert Ricard editaram as Sources Inédites de l'Histoire du Maroc, onde se incluem volumes com documentação portuguesa ou relativos às acções dos portugueses. A constituição da Filmoteca Ultramarina permitiu compulsar em Lisboa a principal documentação do Arquivo de Goa.
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A revolução intelectual do século XIII, a irradiação mediterrânea para o oceano e o abortar (1290-1348)
Os homens reagiam em função da geografa mítica, só esporadicamente da realidade. Uma primeira brecha por onde passa a função do real é aberta pelas transformações do século XIII e adjacentes. Até aí, ausência de sistema de representação do globo; os chamados planisférios ou mapas-do-mundo justapunham terras separadas por mares e atravessadas por rios ou faziam correr estes por leitos fantasiosos, na lógica do mito, sem qualquer lei científica de correspondência nas formas, nas dimensões ou sequer na disposição relativa; tratava-se de configurações simbólicas, apenas. De 1270 a 1320 ressurge a geometria euclidiana, e com ela a ciência pode construir o espaço, recebem-se a aritmética e álgebra hindu-muçulmanas, retoma-se a astronomia de Ptolomeu, que os meios islâmicos transmitem, a óptica de Apolónio e Ptolomeu, a medicina de Hipócrates, Galeno e Avicena (e mais uma vez os círculos muçulmanos transmitem e alargam, aprofundam), enquanto da China vem o ‘indicador do Sul’, que no Mediterrâneo se transforma em autêntica bússola; por outro lado, missionários e mercadores desvendam a vasta Ásia, conhece-se o tráfico cameleiro transaariano.
Com base nestas aquisições, vindas da cultura helénica mas reelaboradas e ampliadas pelas culturas judaica e islâmica, além da hindu, traça-se o primeiro sistema cartográfico, por rumos da agulha e distâncias estimadas. O mar Interior passa a ser correctamente representado com relativa correcção, há ainda alongamento em longitude e distorção na latitude do Levante e torna-se o eixo da representação científica da ecúmena, que as informações dos caravaneiros das pistas euro-asiáticas estendem até o Cathay.
A partir de cerca de 1277, de Génova uma pequena frota de galés parte anualmente para o Poente, para Inglaterra e Flandres. Em começos de Trezentos, Veneza seguirá as pegadas da sua rival. Rota antiga, sem dúvida bem antiga. Rota grega, sobretudo romana para as Cassitérides ricas de estanho. Rota dos Vikings dos fiordes brumosos para o sol ardente e céu azul do mar Interior. Caminho ainda dos rudes barões e cavaleiros do Norte acorrendo a libertar o Santo Sepulcro. Todavia, pela primeira vez na história, ao que parece, uma carreira regular de navegação se abre, ligando os intensos focos meridionais de capitalismo nascente às cidades têxteis flamengas e aos mercados insulares da lã e dos metais industriais». In Vitorino Magalhães Godinho, A Expansão Quatrocentista Portuguesa, 1962, Publicações Dom Quixote, 2008, ISBN 978-972-20-3510-1.

Cortesia de Dom Quixote/JDACT