Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem loucura o que é o homem
Mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?
In Fernando Pessoa
Os falsos D. Sebastião
«As trovas de Bandarra são muito lidas em manuscrito durante a ocupação
espanhola (1580-1640), vindo o Encoberto a ser naturalmente identificado com o
rei desaparecido em Alcáver-Quibir. Surgem então diversos pseudo-sebastiões. O
primeiro “D. Sebastião”, o ‘rei de
Penamacor’, é um impostor que surge em Alcobaça em 1584, onde se instala
como eremita contando histórias incríveis sobre a batalha de Alcácer-Quibir. Preso
pelos espanhóis, é condenado às galés, partindo na ‘Armada Invencível’ de
Filipe II para a invasão da Inglaterra. Nunca mais se soube dele.
O segundo impostor, o ‘rei
da Ericeira’, chamava-se Mateus Álvares. Fez-se eremita perto da Ericeira,
reunindo em torno de si um grupo de fiéis. Escolheu mesmo uma rainha, que
coroou com o diadema da virgem local. Preso em 1585, foi decapitado em Lisboa. O
terceiro era um antigo soldado espanhol que servira em Portugal; Gabriel
de Espinosa, pasteleiro na cidade de Madrigal, na Castelo. Perto dali, num
convento de freiras, vivia D. Ana, filha ilegítima de João de Áustria,
meio-irmão de Filipe II e herói de Lepanto. Um monge patriota português, frei
Miguel dos Santos, confessor de Ana, persuadiu-a de que o pasteleiro era o rei
morto em Alcácer-Quibir, devendo ela casar com ele para ir para Portugal e ali
fomentar uma revolução. As autoridades espanholas prenderam o trio, condenaram D.
Ana a quatro anos de relegação solitária e o monge e o soldado à forca. Foram executados
em 1595.
O último “D. Sebastião” foi um calabrês, Marco
Tullio Catizone. Apareceu em Veneza em 1598. Vivia então na cidade dos Doges um
grupo de patriotas portugueses afecto a António, Prior do Crato.
NOTA: Pretendente ao trono de Portugal, António, Prior do Crato
era filho bastardo do infante Luís e de uma cristã-nova. Licenciado em Artes em
1551, estudou Teologia no colégio dos Jesuítas, em Évora, após o que ingressou
na Ordem de Malta com o benefício do grão-priorado do Crato, um dos mais ricos
de Portugal. Em 1578 acompanhou o rei Sebastião a Alcácer-Quibir, onde foi
ferido e feito prisioneiro. Um judeu pagou-lhe o resgate e, obtida a liberdade,
regressou a Lisboa, onde se apresentou como pretendente ao trono. A invasão de
Portugal por Filipe II frustrou a sua intenção de tomar Lisboa pelo que, feito
rei em Santarém, por eleição popular em 1580, reuniu forças para resistir aos
espanhóis. Sofreu sucessivas derrotas até que, em 1581, embarcou
clandestinamente para Calais. Prosseguiu os seus esforços em Paris e Londres
para arranjar apoios e tentava em França nova expedição quando faleceu. Se
Sebastião foi o “Desejado” cujo corpo ficou a apodrecer no areal, ‘simplesmente
coberto / pelo pranto sem fim duma Nação’, Miguel Torga, e cujo regresso
miraculoso e impossível se espera, António Prior do Crato foi o “Indesejado”
que só a política anticastelhana de França e de Inglaterra transformaram em
causa política ‘viável’.
Do Mito à História
Com a Restauração, 1640, o ‘Encoberto’ é naturalmente identificado com
o duque de Bragança, João IV.
NOTA: Joel Serrão levanta a hipótese de que a ressurgência do
mito do ‘Quinto Império’ foi como que a tentativa de justificar, no plano da
ideologia, a desanexação de Castela e acrescenta: … perguntamo-nos até se, no
contexto social da época, a promoção do sebastianismo, crença de raiz popular,
não foi, ao menos parcialmente, uma tentativa de índole política destinada a
dinamizar a comparticipação do povo nos objectivos da Restauração.
O padre António Vieira (1608-1697) milita por um sebastianismo político
ao qual acrescenta a visão do ‘Quinto Império’. Morto João IV, o messianismo de
Vieira, de raiz sebástica, é sucessivamente transferido para Afonso VI e Pedro
II».
In O Sebastianismo, Breve Panorama dum Mito Português, Colecção Portugal Ontem,
Portugal Hoje, Lisboa.
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