domingo, 28 de outubro de 2012

Breve Panorama dum Mito Português. O Sebastianismo. «O segundo impostor, o ‘rei da Ericeira’, chamava-se Mateus Álvares. Fez-se eremita perto da Ericeira, reunindo em torno de si um grupo de fiéis. Escolheu mesmo uma rainha, que coroou com o diadema da virgem local»


Cortesia de coleccao
  
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem loucura o que é o homem
Mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?
In Fernando Pessoa

Os falsos D. Sebastião
«As trovas de Bandarra são muito lidas em manuscrito durante a ocupação espanhola (1580-1640), vindo o Encoberto a ser naturalmente identificado com o rei desaparecido em Alcáver-Quibir. Surgem então diversos pseudo-sebastiões. O primeiroD. Sebastião”, o ‘rei de Penamacor’, é um impostor que surge em Alcobaça em 1584, onde se instala como eremita contando histórias incríveis sobre a batalha de Alcácer-Quibir. Preso pelos espanhóis, é condenado às galés, partindo na ‘Armada Invencível’ de Filipe II para a invasão da Inglaterra. Nunca mais se soube dele.
O segundo impostor, o ‘rei da Ericeira’, chamava-se Mateus Álvares. Fez-se eremita perto da Ericeira, reunindo em torno de si um grupo de fiéis. Escolheu mesmo uma rainha, que coroou com o diadema da virgem local. Preso em 1585, foi decapitado em Lisboa. O terceiro era um antigo soldado espanhol que servira em Portugal; Gabriel de Espinosa, pasteleiro na cidade de Madrigal, na Castelo. Perto dali, num convento de freiras, vivia D. Ana, filha ilegítima de João de Áustria, meio-irmão de Filipe II e herói de Lepanto. Um monge patriota português, frei Miguel dos Santos, confessor de Ana, persuadiu-a de que o pasteleiro era o rei morto em Alcácer-Quibir, devendo ela casar com ele para ir para Portugal e ali fomentar uma revolução. As autoridades espanholas prenderam o trio, condenaram D. Ana a quatro anos de relegação solitária e o monge e o soldado à forca. Foram executados em 1595.
O últimoD. Sebastião” foi um calabrês, Marco Tullio Catizone. Apareceu em Veneza em 1598. Vivia então na cidade dos Doges um grupo de patriotas portugueses afecto a António, Prior do Crato.

NOTA: Pretendente ao trono de Portugal, António, Prior do Crato era filho bastardo do infante Luís e de uma cristã-nova. Licenciado em Artes em 1551, estudou Teologia no colégio dos Jesuítas, em Évora, após o que ingressou na Ordem de Malta com o benefício do grão-priorado do Crato, um dos mais ricos de Portugal. Em 1578 acompanhou o rei Sebastião a Alcácer-Quibir, onde foi ferido e feito prisioneiro. Um judeu pagou-lhe o resgate e, obtida a liberdade, regressou a Lisboa, onde se apresentou como pretendente ao trono. A invasão de Portugal por Filipe II frustrou a sua intenção de tomar Lisboa pelo que, feito rei em Santarém, por eleição popular em 1580, reuniu forças para resistir aos espanhóis. Sofreu sucessivas derrotas até que, em 1581, embarcou clandestinamente para Calais. Prosseguiu os seus esforços em Paris e Londres para arranjar apoios e tentava em França nova expedição quando faleceu. Se Sebastião foi o “Desejado” cujo corpo ficou a apodrecer no areal, ‘simplesmente coberto / pelo pranto sem fim duma Nação’, Miguel Torga, e cujo regresso miraculoso e impossível se espera, António Prior do Crato foi o “Indesejado” que só a política anticastelhana de França e de Inglaterra transformaram em causa política ‘viável’.

Do Mito à História
Com a Restauração, 1640, o ‘Encoberto’ é naturalmente identificado com o duque de Bragança, João IV.

NOTA: Joel Serrão levanta a hipótese de que a ressurgência do mito do ‘Quinto Império’ foi como que a tentativa de justificar, no plano da ideologia, a desanexação de Castela e acrescenta: … perguntamo-nos até se, no contexto social da época, a promoção do sebastianismo, crença de raiz popular, não foi, ao menos parcialmente, uma tentativa de índole política destinada a dinamizar a comparticipação do povo nos objectivos da Restauração.

O padre António Vieira (1608-1697) milita por um sebastianismo político ao qual acrescenta a visão do ‘Quinto Império’. Morto João IV, o messianismo de Vieira, de raiz sebástica, é sucessivamente transferido para Afonso VI e Pedro II». In O Sebastianismo, Breve Panorama dum Mito Português, Colecção Portugal Ontem, Portugal Hoje, Lisboa.

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