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«Quando a nova correu da morte misteriosa do rei Sancho, logo os seus
generais levantaram o cerco a Zamora. Compreenderam, com todos os senhores e
povos das Espanhas, ser Alfonso o natural herdeiro dos domínios de el-rei
Fernando Magno-Sancho morrera sem deixar geração e as vozes foram unânimes, desde
a grande Galiza, Leão e Castela e a parte de Navarra até ao Ebro, em nomear Alfonso
o seu soberano. Mas Castela, pela voz de Rodrigo Díaz de Bivar, pôs condição:
- Alfonso deverá fazer solene
juramento de que não teve parte no aleivoso assassínio do irmão. - Apoiado! - Clamaram
os seus pares, as espadas erguidas.
Alfonso, mal por sua irmã Urraca teve conhecimento do que se passara,
saiu de Toledo e estava em Santa Gadea, de Burgos, quando chegaram doze
cavaleiros castelhanos, encabeçados pelo Cid, para lhe tomar juras tão
terríveis que ao próprio rei geram espanto. - Alfonso - adiantou-se Rodrigo Díaz, se
queres te aceitemos como rei de Castela, terás de jurar sobre os santos Evangelhos
que não intervieste na treda morte de teu irmão, o nosso bom rei Sancho.
- Como poderia eu ter intervindo
no assassínio de meu irmão, se me encontrava longe de Zamora, no meu exílio de
Toledo? - Jura sobre o livro sagrado. E maldito sejas tu nas profundas do
Inferno, se jurares falso.
Alfonso avança solene para o altar, onde, sobre alvíssima rendilhada
toalha de linho pousava luxuoso volume encadernado de couro com pregueamentos
de ouro e tauxias de pedras preciosas. Estende a mão sobre o livro e a sua voz
clara e firme ecoa pelo templo:
- Pela salvação da minha alma,
juro solenemente sobre os santos Evangelhos não ter tido parte na triste morte
de meu irmão Sancho. Ajoelhou Rodrigo e aos pés de Alfonso depôs sua espada e beijou
a fímbria da veste do rei: - A teus pés, meu senhor e meu rei, o teu fiel
servidor. Todos os outros castelhanos, a uma voz, lhe juraram fidelidade e o
aclamaram rei de Castela.
Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador. Cortesia de heroismedievais
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Ao sul, a Sevilha, vai Gonçalo Mendes com seus cavaleiros, para
acompanhar de volta à Galiza o rei García. Al-Mutâmid faz gala em dar festa de
despedida ao seu hóspede real. Banquete sumptuoso, os comensais sentados em coxins,
em roda, na vasta sala de colunas, no centro branda poesia ao som de cítara e
alaúde, bailam balanços lentos de anca, ventres femininos, ondeiam hastes de
braços, mãos, dedos, véus transluzentes mal desvendam mimos de luxúria. Rei
al-Mutâmid tem à sua direita rei García, à esquerda a linda rainha Itimâd.
Rodeiam-nos os filhos: Sirâj ad-Dawla, o primogénito, Ar-Rashid, Ar-Râdi Yasïd,
Al-Mamún al-Fath que tem ao lado a bela esposa Zaida, Abd-al-Jabbâr, Al-Mutâd
Abd Allâh, Al-Matamâd, Yahyâ, flakamât, lbn Abbâd, Abü Hashim, Zin ad-Dawla e a
formosíssima Buthayna.
Segue-se Gonçalo e seus cavaleiros, o grão-vizir, os ministros. Gonçalo
fica ao lado de Buthayna. E o coração de Gonçalo palpita mais depressa, de
trote entra em galope desenfreado. Não é o diadema de fina renda de pedras
preciosas, é a noite do cabelo a cair em cachos rolados sobre os ombros macios;
não é o brilhante na testa de ouro, é o poço dos olhos; não são os brincos de
diamantes, mas o recorte, o acetinado da orelha; não é o colar de pérolas, antes
o torneado do colo; não o alfinete de prata a fechar o decote, mas sim o leite
entrevisto do busto; e os braços roliços e as mãos esguias e a ânfora do corpo
e o perfume a sândalo que dele se exala...
- Eu te digo, rei García. Mais
do que guerrearmo-nos, devíamos era tratar de povoar essas terras imensas. Mal
se sai das muralhas das cidades, que é que se vê? - Tens razão, al-Mutâmid: a
desolação, o enorme descampado, o brejo a perder de vista... A selva, os campos
por cultivar, as minas por explorar... O mar infestado de piratas normandos que
nos saem impunes pelas terras ribeirinhas e atacam e pilham e devastam as
povoações indefesas...
- Ainda há pouco tiveram o
arrojo de entrar Guadalquivir adentro e chegar até aqui às portas da cidade... E
al-Mutâmid, ia em seu coração secretamente pensando que se impunha reforçar e
renovar a armada que herdara dos califas, os arsenais de Sevilha, de Alcácer,
de Setúbal...» In Fernando Campos, O Cavaleiro da Águia, Difel, 2005, ISBN
972-29-0735-2.
Cortesia de Difel/JDACT