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Resumo
«Com esta comunicação
pretendemos ensaiar uma síntese prospectiva sobre o conhecimento histórico do período
compreendido entre os séculos VIII e X no Norte de Portugal. Centraremos a
nossa atenção na região bracarense, a melhor documentada, tanto do ponto de
vista das fontes escritas como das fontes arqueológicas.
Numa primeira parte,
procuraremos identificar as problemáticas históricas dominantes e sumariar as principais
interpretações produzidas. Teremos por referência uma selecção de estudos nas
áreas da arqueologia e da história. Sublinharemos a riqueza informativa dos
dois documentos bracarenses mais importantes para o estudo deste período: o Liber
Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae e o censual Inter Lima et Ave (=
Censual do bispo Pedro).
Numa segunda parte,
apresentaremos alguns contributos recentes da arqueologia para o aumento do conhecimento
deste período e para a renovação das problemáticas históricas associadas.
Daremos destaque aos resultados proporcionados pelos trabalhos arqueológicos
que desenvolvemos nos últimos 20 anos na região de Braga, designadamente no
mosteiro de São Martinho de Tibães, na igreja velha de São Torcato, no
mausoléu/capela de São Frutuoso de Montélios, na igreja de São Martinho de
Dume, na igreja velha de São Mamede de Vila Verde, no castro-castelo de
Cantelães e na própria cidade de Braga. Centraremos a atenção em questões de
arquitectura e de tecnologias construtivas, de tipologias cerâmicas e de
conformação da paisagem, problematizando as cronologias associadas. Na terceira
parte enunciaremos a nossa perspectiva de desenvolvimento futuro das
investigações sobre a alta idade média do Norte de Portugal, propondo linhas de
investigação arqueológica nas áreas da arquitectura religiosa, castelologia,
estrutura de povoamento, paisagem, urbanismo e produções cerâmicas.
O Norte de Portugal entre Cristãos e Muçulmanos: Concepções e Perspectivas
Históricas
O estudo da Alta Idade
Média do Norte do actual território português, que sempre se percepcionou como um
espaço de fronteira entre os cristãos asturianos e os muçulmanos do sul
peninsular, assentou, praticamente durante toda a primeira metade do século XX,
num modelo historiográfico forjado sob os conceitos de “armamento estratégico”
e “reconquista”, veiculados tanto pela historiografia espanhola como portuguesa.
Contudo, já nas
primeiras décadas do século passado, tal modelo começou a ser questionado, contrapondo-se
a continuidade de povoamento entre os séculos VII e XI: primeiro com o estudo
de Alberto Sampaio sobre As Vilas do Norte de Portugal, ainda hoje um
estudo incontornável para quem quiser investigar a evolução da paisagem agrária
do entre Douro e Minho entre a Antiguidade Tardia e a Idade Média, e depois por
José Augusto Ferreira, com o seu exaustivo trabalho sobre a história dos arcebispos
e bispos bracarenses. Mas é a partir dos
estudos seminais de Pierre David e de Avelino de Jesus da Costa, centrados
sobre o noroeste peninsular e a antiga diocese de Braga, respectivamente, que
tais modelos foram sendo sistemática e fundadamente rejeitados e vieram a ser
definitivamente ultrapassados pelos estudos mais abrangentes de José Mattoso.
Importa assinalar que o Liber
Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae e o censual Inter Lima et Ave (vulgarmente
designado por “Censual do Bispo D. Pedro”), se fixaram então como principais
fontes documentais para o estudo da história alto medieval da região
correspondente ao Norte de Portugal, graças à edição crítica assinada pelos
dois primeiros medievalistas. Independentemente da existência de outros
conjuntos documentais, como os compilados nos Portugaliae Monumenta
Historica, os documentos do cartulário bracarense, únicos no género na
Europa ocidental antes do século XIII, oferecem um potencial de estudo de
reconhecido valor, não só para a história religiosa da diocese de Braga, mas
também para a história da economia, da administração territorial, do povoamento
e das paisagens que se desenvolveram nos dois últimos séculos do primeiro milénio.
Assim, é hoje
generalizadamente aceite que o território entre o rio Minho e Douro terá
mantido parte significativa das suas populações, até ao terceiro quartel do
século IX num quadro social e político de ausência de poderes estatais
actuantes, e a partir do último terço do século IX já enquadrados de modo sistemático
nas estruturas de poder galaico-asturiano, leonês e portucalense,
identificando-se muitos dos protagonistas das suas elites laicas e religiosas. Neste
novo quadro de conhecimento histórico, as perspectivas de estudo deslocaram-se
para a interpretação de continuidades ou rupturas entre a Antiguidade Tardia e
o mundo medieval. Embora a generalidade dos autores reconheça que os séculos
VIII a X constituíram um período de trânsito, de transformação, uns valorizam
esse período como um prelúdio da história de formação de Portugal, ao passo que
outros preferem considerá-lo como uma fase da evolução histórica do reino
asturiano e leonês, procurando-se compreender os diversos ritmos e tendências
de evolução da sociedade alto medieval». In
Luís Fontes, O Norte de Portugal
ente os séculos VIII e X. Balanço e Perspectivas de Investigação, Unidade
de Arqueologia da Universidade do Minho, Braga, 2010.
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