terça-feira, 23 de outubro de 2012

O Norte de Portugal ente os séculos VIII e X. Balanço e perspectivas de investigação. Luís Fontes. «… que o Liber Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae e o censual Inter Lima et Ave, vulgarmente designado por “Censual do Bispo D. Pedro”, se fixaram então como principais fontes documentais para o estudo da história alto medieval da região…»


Cortesia de wikipedia


Resumo
«Com esta comunicação pretendemos ensaiar uma síntese prospectiva sobre o conhecimento histórico do período compreendido entre os séculos VIII e X no Norte de Portugal. Centraremos a nossa atenção na região bracarense, a melhor documentada, tanto do ponto de vista das fontes escritas como das fontes arqueológicas.
Numa primeira parte, procuraremos identificar as problemáticas históricas dominantes e sumariar as principais interpretações produzidas. Teremos por referência uma selecção de estudos nas áreas da arqueologia e da história. Sublinharemos a riqueza informativa dos dois documentos bracarenses mais importantes para o estudo deste período: o Liber Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae e o censual Inter Lima et Ave (= Censual do bispo Pedro).
Numa segunda parte, apresentaremos alguns contributos recentes da arqueologia para o aumento do conhecimento deste período e para a renovação das problemáticas históricas associadas. Daremos destaque aos resultados proporcionados pelos trabalhos arqueológicos que desenvolvemos nos últimos 20 anos na região de Braga, designadamente no mosteiro de São Martinho de Tibães, na igreja velha de São Torcato, no mausoléu/capela de São Frutuoso de Montélios, na igreja de São Martinho de Dume, na igreja velha de São Mamede de Vila Verde, no castro-castelo de Cantelães e na própria cidade de Braga. Centraremos a atenção em questões de arquitectura e de tecnologias construtivas, de tipologias cerâmicas e de conformação da paisagem, problematizando as cronologias associadas. Na terceira parte enunciaremos a nossa perspectiva de desenvolvimento futuro das investigações sobre a alta idade média do Norte de Portugal, propondo linhas de investigação arqueológica nas áreas da arquitectura religiosa, castelologia, estrutura de povoamento, paisagem, urbanismo e produções cerâmicas.

O Norte de Portugal entre Cristãos e Muçulmanos: Concepções e Perspectivas Históricas
O estudo da Alta Idade Média do Norte do actual território português, que sempre se percepcionou como um espaço de fronteira entre os cristãos asturianos e os muçulmanos do sul peninsular, assentou, praticamente durante toda a primeira metade do século XX, num modelo historiográfico forjado sob os conceitos de “armamento estratégico” e “reconquista”, veiculados tanto pela historiografia espanhola como portuguesa.
Contudo, já nas primeiras décadas do século passado, tal modelo começou a ser questionado, contrapondo-se a continuidade de povoamento entre os séculos VII e XI: primeiro com o estudo de Alberto Sampaio sobre As Vilas do Norte de Portugal, ainda hoje um estudo incontornável para quem quiser investigar a evolução da paisagem agrária do entre Douro e Minho entre a Antiguidade Tardia e a Idade Média, e depois por José Augusto Ferreira, com o seu exaustivo trabalho sobre a história dos arcebispos e bispos bracarenses. Mas é a partir dos estudos seminais de Pierre David e de Avelino de Jesus da Costa, centrados sobre o noroeste peninsular e a antiga diocese de Braga, respectivamente, que tais modelos foram sendo sistemática e fundadamente rejeitados e vieram a ser definitivamente ultrapassados pelos estudos mais abrangentes de José Mattoso.
Importa assinalar que o Liber Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae e o censual Inter Lima et Ave (vulgarmente designado por “Censual do Bispo D. Pedro”), se fixaram então como principais fontes documentais para o estudo da história alto medieval da região correspondente ao Norte de Portugal, graças à edição crítica assinada pelos dois primeiros medievalistas. Independentemente da existência de outros conjuntos documentais, como os compilados nos Portugaliae Monumenta Historica, os documentos do cartulário bracarense, únicos no género na Europa ocidental antes do século XIII, oferecem um potencial de estudo de reconhecido valor, não só para a história religiosa da diocese de Braga, mas também para a história da economia, da administração territorial, do povoamento e das paisagens que se desenvolveram nos dois últimos séculos do primeiro milénio.
Assim, é hoje generalizadamente aceite que o território entre o rio Minho e Douro terá mantido parte significativa das suas populações, até ao terceiro quartel do século IX num quadro social e político de ausência de poderes estatais actuantes, e a partir do último terço do século IX já enquadrados de modo sistemático nas estruturas de poder galaico-asturiano, leonês e portucalense, identificando-se muitos dos protagonistas das suas elites laicas e religiosas. Neste novo quadro de conhecimento histórico, as perspectivas de estudo deslocaram-se para a interpretação de continuidades ou rupturas entre a Antiguidade Tardia e o mundo medieval. Embora a generalidade dos autores reconheça que os séculos VIII a X constituíram um período de trânsito, de transformação, uns valorizam esse período como um prelúdio da história de formação de Portugal, ao passo que outros preferem considerá-lo como uma fase da evolução histórica do reino asturiano e leonês, procurando-se compreender os diversos ritmos e tendências de evolução da sociedade alto medieval». In Luís Fontes, O Norte de Portugal ente os séculos VIII e X. Balanço e Perspectivas de Investigação, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Braga, 2010.

Cortesia da U. do Minho/JDACT