segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Notas de arqueologia, epigrafia e toponímia II. Jorge Alarcão. «Ao longo de mais de quarenta anos de investigação histórico-arqueológica sobre o período em que Portugal foi domínio dos Romanos, fomos formulando alguns problemas ou ocorreram-nos dúvidas sobre o que outros escreveram ou sobre entendimentos que foram nossos e agora nos parecem errados»


Cortesia de wikipedia

«Na sequência de um artigo sob o mesmo título publicado nesta revista, apresentam-se algumas notas sobre a povoação romana de Aritium Vetus e a “paróquia” suévica de Vallearitia. Localizam-se dois outros povoados que parece terem ficado nos extremos do território de Bracara Augusta: castellum Durbedis e vicus Cabr(...). Corrige-se uma anterior proposta de localização dos Lubaeni do conventus Bracaraugustanus e reinterpretam-se algumas inscrições da área de Aquae Flaviae. Finalmente, sugere-se uma leitura para a muito discutida inscrição rupestre de Freixo de Numão, CIL II 430, e uma interpretação para a epígrafe Neptunale de Bobadela, CIL II 398.

Ao longo de mais de quarenta anos de investigação histórico-arqueológica sobre o período em que Portugal foi domínio dos Romanos, fomos formulando alguns problemas (e espreitando para eles, às vezes, algumas soluções) ou ocorreram-nos dúvidas sobre o que outros escreveram ou sobre entendimentos que foram nossos e agora nos parecem errados. Apontamentos escrevinhados ficaram, porém, aguardando aquele enfim de vida que agora nos concede o otium necessário às revisões. Iremos publicando os nossos textos numa colectânea a que decidimos dar o nome de Notas de arqueologia, epigrafia e toponímia, pois tal título convém não só à brevidade de algumas apostilas como à maior dimensão de outras redacções. O primeiro maço de notas saiu no anterior número da Revista Portuguesa de Arqueologia. Resolvemos dar às presentes uma numeração em continuidade com a do artigo anterior.

Aritium Vetus era capital de civitas?
Na confluência da ribeira da Lampreia com o rio Tejo, na freguesia de Alvega do concelho de Abrantes, encontrou-se no século XVII uma placa de bronze que tinha gravado um juramento de fidelidade dos Aritienses ao imperador Calígula, feito em 37 d.C., no oppidum de Aritium Vetus, sendo magistri (ou magistrati) um Vegetus, filho de Talticus e um Vibius, filho de [...]arionus (CIL II 172; IRCP 467).
É muito possível que Aritium Vetus tenha sido capital de civitas, dada a importância das ruínas a que os nossos antiquários fazem referência.
Jorge Cardoso (1666) escreveu a propósito de Aritium Vetus:
  • “Esta (a Aritium do Itinerário de Antonino) quer M. Rezende, que seja Benauente nas Ribeiras do Tejo, e Barreiros a Erra, hua legoa de Coruche: mas como estas pouoações saõ modernas, e naõ aja nellas rasto algum de Romanas antiguidades, necessario he (salua pace tantoru viroru) darmoslhe outra situaçaõ. E assi he de saber, que onde hoje chamaõ Aluega, duas legoas de Abrantes ao Sul, o Tejo de por meio, há notaueis ruinas, e vestigios de hua populosa cidade, pela qual passaua a estrada Real, que vai para Merida, teria ella então quatro mil vizinhos, conforme o âmbito dos muros, que a cingião, em parte argamassados, como mostrão suas ruinas. Hoje està reduzida a hua Aldea, situada em campo plaino, cercada de terras tam abundantes, e ferteis, que saõ bastantes seus dizimos, para sustentar cinco Igrejas Conuentuaes. Achârãose jà por vezes em seus cõtornos, aliceses de sumptuosas casas, sepulchros, aqueductos, e canos de chumbo, galarias subterraneas, adornadas de coloridas pedrinhas, como dados, à maneira de azulejos, com figuras, e porticos de obra Musaica. E não se mete o arado em parte, que não tirem proueito os Lauradores, descobrindo alli o tepo em nossos dias, quãtidade de moedas Romanas, assi de prata como de bronze, das quaes alguas nos vierão às maõs. E inda hoje estão em pè muitos pilares, sobre que estribaua o famoso cano, por onde a agoa vinha ter à cidade, tirada com artificio de hua caudalosa Ribeira, que lhe fica perto, não fallando doutra, que vem do alto buscar o Tejo, na qual se achou ann. 1659. hua famosa lamina de bronze moldurada, que esta em nosso poder, a qual tem de comprimeto dous palmos, e meio, e de alto mais de hum, com quatro buracos nos cantos, dos pregos com que estaua colocada em lugar publico”.
In Jorge Alarcão, Notas de arqueologia, epigrafia e toponímia II. Revista Portuguesa de Arqueologia., volume 7, número 2, 2004.

Cortesia de Revista P. de Arqueologia/JDACT