A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«No entanto, os piratas espanhóis começaram a perseguir e a pilhar os
navios portugueses provenientes da Mina, prática encorajada pela rainha Isabel
e seu marido, Fernando, apesar dos protestos levantados por Portugal e mesmo
pelos próprios piratas, que se viam obrigados a pagar à Coroa um quinto do
espólio apreendido nos assaltos marítimos.
Temos razões para afirmar que esta época foi caracterizada pela luta
pelo domínio do Atlântico entre os dois reinos ibéricos. As Canárias não
conseguiam satisfazer o reino de Castela e Aragão, porque o casal reinante
tinha outros interesses: a pesca, os escravos e o ouro. A pesca praticava-se
sobretudo ao largo da actual Mauritânia, como ainda hoje se verifica, e era
absolutamente necessário assegurar o acesso a esse mar. Por outro lado, a
necessidade de mão-de-obra agrícola fazia-se sentir em toda a Península, facto comprovado
pelos documentos: com efeito, sabemos que, no último quartel do século XV, no
Sul da Andaluzia, um quarto dos nascimentos registados nalgumas paróquias eram
filhos de africanos. A maior parte destes escravos era comprada em Portugal, onde
o seu número talvez fosse ainda mais elevado (não há indicações precisas sobre
esta questão).
É verdade que os portugueses souberam defender o seu comércio, mas é
também indiscutível que, até à assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), se
viveu um clima de relações difíceis entre os dois reinos, uma vez que ambos
pretendiam dominar o Atlântico. Para os portugueses, o Atlântico era ‘o seu oceano’; tinham necessidade de ter
o Atlântico livre, quer para os seus navios, quer para as manobras marítimas
que guiavam esses navios sob as condições mais favoráveis, desde a costa da Mina
até Portugal, por exemplo: depois da viagem de Vasco da Gama tornou-se ainda
mais viva para a coroa portuguesa a necessidade de dominar, no Atlântico Sul,
um vasto espaço navegável.
Devemos salientar agora que:
- O reino de Castela-Aragão teria desejado partilhar com os Portugueses a exploração de África com objectivos comerciais;
- Os Reis Católicos podiam igualmente pretender alcançar o Oriente, desejo que se tornou mais forte depois das viagens de Diogo Cão, que deixaram prever ser possível atingir o mercado das especiarias pela rota de Africa.
Penso que o acordo entre os dois países só foi possível porque Colombo
descobriu a América Central, julgando ter chegado ao Oriente. E, é necessário
dizê-lo, se Colombo pensou ter chegado à Ásia depois da sua primeira viagem,
manteve mais tarde o seu erro para consolidar o apoio da coroa de Castela-Aragão;
com efeito, não podemos acreditar que um homem como Colombo não tivesse
percebido, ao longo das suas viagens, que se encontrava bem distante do seu
objectivo. Todas as explicações geográficas e cosmográficas perderam parte do
seu valor quando confrontadas com a experiência adquirida pelo navegador nos
seus contactos com os povos das Antilhas e dos países continentais vizinhos.
Não me esqueço de que o cosmógrafo e filósofo Oresme escreveu, a
propósito da esfericidade da Terra, sobre a possibilidade de se fazer o que
Colombo tentou; o manuscrito de Oresme é uma (experiência pensada; Colombo
tê-lo-á conhecido? Julgo que a realidade era para um navegador mais importante
do que as prováveis leituras nos livros do passado.
De qualquer modo, foi a chegada de Colombo à América que eliminou, durante
alguns anos, os problemas existentes entre Portugal e Castela. Esta viagem foi
significativa porque permitiu o estabelecimento de um acordo entre os dois
países; acordo esse igualmente significativo porque foi realizado sem
interferência do papa, apesar das tentativas de intervenção por este
realizadas. Este facto não tinha precedentes no seio da cristandade: era, na realidade,
a primeira vez que dois países assinavam um acordo sem o conselho da Cúria
Romana. Na minha opinião, o Tratado de Tordesilhas, assinado a 7
de Junho de 1494, constituiu uma vitória para os dois reinos que se confrontavam.
Para João II, o Tratado representava a certeza de vir a ser dono e senhor de
uma vasta parte do oceano Atlântico, que os seus navios iriam explorar a seu
gosto; o rei podia assim mandar navegar o seus navios nas águas que “lhe
pertenciam”, sem ter necessidade de invadir domínios dos outros.
Para Isabel e Fernando, o tratado assegurava a exploração e o comércio
nas terras que Colombo tinha talvez descoberto no Oriente, segundo a opinião de
muita gente interessada e optimista; os resultados da primeira viagem realizada
antes da assinatura do Tratado eram, sob este aspecto,
muito prometedores.
Com o Tratado de Tordesilhas, as linhas relativas ao descobrimento do
mundo ficaram definidas até à segunda metade do século XVI, altura em que os Franceses,
os Ingleses e os Holandeses se empenharam em grande força na navegação de longo
curso. Com efeito, Colombo e seus seguidores (Hojeda e Pinzón, entre os mais
importantes) conheciam as Antilhas, a costa da América Central, a península da
Florida e o Nordeste da América do Sul; Colombo visitou ele próprio a
embocadura do Orenoco e explorou a costa norte deste rio; contudo, Pinzón
precedeu-o de uma forma muito semelhante, a partir da costa do Nordeste do Brasil.
Decorridos apenas alguns anos, os Espanhóis alcançaram a costa do Pacífico; é
preciso reconhecer que a viagem de Magalhães e as explorações realizadas ao
longo das costas da América do Norte e da América Central são factos que se
devem considerar, de certo modo, independentes. O objectivo de Magalhães era atingir
as Molucas, o que conseguiu, descobrindo ao mesmo tempo ilhas ainda pouco
conhecidas, como as Filipinas. No que respeita às Molucas, é mais importante
salientar que os Portugueses tinham alcançado este arquipélago dez anos antes
dos Espanhóis e aí tinham estabelecido feitoria numa das ilhas. Com a chegada
dos Espanhóis, o Tratado de Tordesilhas foi posto em causa. Com efeito, se o
texto do tratado falava explicitamente de um semimeridiano que dividia o
Atlântico em duas zonas de influência, as Molucas, com a sua produção de
especiarias muito valiosas, obrigava a que se alargasse, de imediato, a divisão
do mundo ao outro hemisfério, através do semimeridiano oposto ao semimeridiano
atlântico. O problema que se punha era saber onde se colocava este último
semimeridiano, pois, muito embora os métodos astronómicos da determinação de
longitudes fossem sobejamente conhecidos nesta época, nas suas aplicações
práticas cometiam-se erros enormes». In Luís Albuquerque, As Navegações e a sua
Projecção na Ciência e na Cultura, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1987.
Cortesia de Gradiva/JDACT