«Depois desta interpretação explicativa vem a tradução do
latim para o português que diz o seguinte:
‘No dia seguinte, porém, sábado, festa de S. Bartolomeu, 24
do mesmo mês de Agosto, antes do nascer do sol, exortando o rei aos homens de
armas, uns pelas recentes brechas do muro, outros encostando escadas à vista
(do inimigo), entram com sumo ímpeto a cidade, onde também se travou uma luta
acérrima e houve grande mortandade nos que já combatiam a pé quedo.
Depois a maior parte dos mouros refugiam-se tumultuariamente
no fortificadíssimo castelo, onde, assim como era mais difícil a entrada, assim
também foi maior o perigo e maior a mortandade que se seguiu. Prolongou-se até
o meio-dia por toda a parte, um combate atroz, qual o costuma ser entre
vencedores cheios de ira e vencidos desesperados. De mouros de ambos os sexos
que sobreviveram ao grande morticínio e de riquezas fez-se maior presa do que
era de supor, em vista do tamanho da cidade. É que era o principal empório
desta região. O liberalíssimo rei deu todos os despojos aos soldados’.
Até há poucas décadas atrás, nas escolas primárias, havia
mapas de Portugal de Aquém e Além-Mar. E os reis do tempo chamavam-se ‘Senhores
dos Algarves de aquém e além-mar em África’, querendo com esse designativo
dizer que o norte de África era português.
Pinto Garcia, director de ‘Notícias Magazine’, acompanhou,
em Novembro de 1993, um grupo de Amigos dos Castelos que visitaram as fortalezas
de Marrocos que foram fundadas pelos portugueses. Do que viu e ouviu fez uma
reportagem:
‘O que nos levava ao Norte de África? Era a busca do trigo,
a expansão da Fé, o dar ocupação e terras à nobreza, a tentativa de cortar as
rotas sarianas do ouro e dos produtos da África de além-deserto, mesmo conseguir
bases de apoio para os barcos portugueses na sua descida pela costa africana. Na
época existia a ideia de que Marrocos era um grande celeiro. Parte da dieta
alimentar estaria assim resolvida. Mas a conquista de Ceuta foi uma ilusão. De
1418 a 1421, os portugueses de cercadores passaram a cercados. Com o desenrolar
dos acontecimentos foi fácil de verificar que o potencial militar português não
tinha força por terra. Regista-se então uma alteração estratégica: passamos a
utilizar a via marítima.
Em 1458, após várias discussões na Corte, a ofensiva
africana seguia em frente: em 23 de Outubro de 1458, Afonso V toma Alcácer
Ceguer aos mouros. Situada a meio caminho entre Tânger e Ceuta, Alcácer Ceguer
será portuguesa durante 102 anos, mas a sua importância foi sendo cada vez
menor por culpa da capacidade inimiga. Continua».
In Barroso da Fonte, Guimarães e as Duas Caras, Editora
Correio do Minho, 1994, ISBN 972-95513-8-3.
Cortesia de Guimarães/JDACT