NOTA: Conforme o original
(Continuação)
A América Antecolombiana
«Não foi só este portuguez
que, engodado pelo vil interesse ou ferido pelos desgostos, abandonou a pátria para
ir servir estranhos. Na Hespanha e na França eram acolhidos e bem estipendiados
os homens práticos nos mares da Guiné e das índias orientaes. Assim se tornaram
bem notáveis, entre outros, os pilotos Estevão Dias, o
Brigas, Rosado de Villa do Conde, João Fernandes e Fernando
de Magalhães.
João Dias, piloto
portuguez, em 1495 foi prezo em Hespanha e entregue a Portugal por ter sido cúmplice
com os francezes no roubo de 20:000 dobras, feito a uma caravella portugueza que
vinha da Mina. A João Fernandes, morador na Ilha Terceira foi concedida em
1499 a capitania de qualquer ilha povoada ou por povoar que descobrisse. Parece
ter sido este o piloto que, não conseguindo em Portugal os meios para a expedição,
se associara a dois portuguezes dos Açores, Francisco Fernandes e João
Gonçalves, escudeiros, e a três negociantes de Bristol, Richard Warde, Thomaz
Assehelmret e John Thomaz, a quem Henrique VII de Inglaterra passou, a 19 de março
de 1501, uma carta patente para descobrirem terras e governal-as em seu nome. Emquanto
a Fernando de Magalhães pela importância da sua empreza marítima e consequências
que se seguiram merece menção especial, embora a epocha do facto vá além daquella
que nos propomos esboçar.
Pelo aviso de Álvaro da
Costa, embaixador em Castella, soube-se logo em Lisboa das propostas de Fernão de Magalhães e do astrólogo
e mathematico Ruy Falleiro a Carlos V, e considerou-se caso grave. No conselho
de estado reunido em Cintra o bispo de Lamego insistiu em que se chamassem ao reino
os dois portuguezes desleaes, e se lhes fizessem mercês que os contentassem; mas
el-rei Manoel, o duque de Bragança Jayme, e o conde de Tarouca, sem medirem o
alcance de tal tentativa, foram de opinião inteiramente contraria. Álvaro da
Costa, não podendo prolongar os estorvos á viagem perante o concelho de Castella,
procurou attrahir Magalhães com
grandes promessas, tendo com elle longas praticas em Saragoça, e provavelmente o
levou a escrever a carta a el-rei Manoel I, que Damião de Goes diz ler
visto, propondo voltar ao serviço de Portugal.
Manoel I teimou na recusa,
resultando para o reino gastos consideráveis, desavenças entre as duas monarchias,
e para Magalhães a gloria dos descobrimentos
do Estreito, das Ilhas Philipinas e dos Ladrões, depois chamadas Mariannas.
Ás cartas que lhe escreveu Francisco Serrão, feitor em Banda, homem muito
conhecedor d’aquellas ilhas, assim como das de Ternale, Maluco e Malaca por
onde navegou muitos annos, se attribue o emprehendimento de Magalhães, como verificou António
de Brito em Maluco na correspondência encontrada por morte do dito Serrão. Gaspar Correia foi contemporâneo
de Fernão de Magalhães, com quem
serviu na índia durante o governo de Affonso d’Albuquerque, e por isso o temos como
mais authentico e imparcial entre os escriptores que narraram os acontecimentos,
e d’elle tresladamos o seguinte:
- Fernando de Magalhães era da criação de El-Rey e veo á India com o Viso rei dom Francisco, e foy no feito de rumes, e sempre nas armadas, e em Calecut, muyto ferido, e perdeo n’estas naos sua pobreza, e proue se foy a Portugal, e andou em requerimentos de seus serviços, e pedia a El-Rey cem reaes d'acrecentamento em sua moradia, o que lhe El-Rey nom quis fazer, do que se agrauou, e foy pera Castella viuer em Seuilha, onde se casou: e porque tinha muyto saber n’arte de nauegação, e espirito, que se lançou a ysso, se concertou com os regentes da casa da Contratação de Seuilha, com que lhe deu o Emperador huma armada de cinco nauios com que nauegou, descobrindo nouo caminho pera Maluco, o que foy no anno de quinhentos e dezanoue, como adiante em seu logar conlarey; com que deu depois muyto trabalho a Portugal.
No governo de Diogo
Lopes de Sequeira, o capitulo XIV tem por titulo:
- Que reconta da armada que partio de Castella o anno de 1519, de que foy capitão mor Fernão de Magalhães, homem portuguez, que agrauado d'El-Rey de Portugal se foy viuer com o emperador Carlos; e conta todo o que passou na viagem, e os que chegarão a Maluco, e o fim que tod’armada ouve.
Diremos apenas em resumo:
que a proposta de Magalhães aos
regedores era que, se lhe dessem navios e gente, iria ás ilhas de Malaca e Maluco,
que pela demarcação do tratado de Tordesillas estavam no quinhão de Hespanha, obrigando-se
a fazer a navegação para lá sem tocar em nenhum mar nem terra de el-rei de Portugal.
Carlos V deu a concessão nas condições propostas.
NOTA: Carta Regia dirigida
pelo rei de Hespanha a Fernando de Magalhães e a Ruy Faleiro para seguirem na armada
viagem para as Molucas. El Rey - Fernando de Magallañs e Ruy Falero, cavalleros
de la ordem de Samtiago nuestros capitañs generales dellarmada que mandamos hacer
para yr a descobrir, y a los otros capitañs particulares de la dicha armada, e pilotos,
e maestros, e contramaestres, e marineros de las náos de la dicha armada : por
quanto yo tengo por cierto segund la mucha informacion que he avido de personas
que por esperiencias lo an visto, que en las islas de Maluco ay la especiaria, que
principalmente ys a buscar com esa dicha armada, e my voluntad es que derechamente
sigais el viage a la dichas islas por la forma e manera que lo he dicho e mandado
a vós el dicho Fernando de Magallañs: por ende yo vos mando a todos e a cada uno
de vos, que en la navegacion dei dicho viage sigais el parecer e determinacion
del dicho Fernando de Magallañs para que antes e primero que a otra parte alguna
vais a las dichas islas de Moluco sin que en ello aya ninguna falta por que asy
cumple o nuestro servicio e despues de fecho eslo se podra buscar lo de mas que
convenga, conforme a lo que llevais mandado, e los unos ny los outros non fagades
ny fagan ende al por alguna maneia so pena de perdimento de biens, e las personas
e la nuestra merced. Fecha en Barcelona a diez e nueve dias dei mez de abril ano
de mill e quinientos e diez e nueve anos. Yo
elrey.
Concluidos os preparativos da armada, escolheram-se capitães de confiança,
que haviam de comandar as naus, e foram elles - João de Cartagena a Santo
António, Luiz de Mendoça la Victoria, João Serrano Santiago
e Pero de Quesada la Concepcion. A frota com gente paga
por seis mezes, levando por capitão-mór Fernando de Magalhães na nau Trinidad,
sahiu do Porto de São Lucas de Barrameda a 21 de setembro de 1519 e foi tomar
agna ás ilhas Canárias. Ahi recebeu Magalhães
carta do sogro, prevenindo-o contra alguns dos capitães, que por occasião do embarque
haviam dito que se elle os anojasse o matariam. Magalhães respondeu-lhe nobremente,
como homem que nada receia pelos seus actos, e que possuía o valor necessário
para fazer manter a disciplina na armada que lhe haviam confiado». In A.
C. Teixeira de Aragão, Breve Notícia sobre o Descobrimento da América, Mckew
Parr Collection, Maggellan, BrandeisUniversity (Lo que nos importa), Tipografia
da Academia Real das Ciências, Lisboa, 1892.
continua
Cortesia de Academia das
Ciências/JDACT