sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Breve Notícia sobre o Descobrimento da América. Teixeira de Aragão. «Álvaro da Costa, não podendo prolongar os estorvos á viagem perante o conselho de Castela, procurou atrair Magalhães com grandes promessas em Saragoça, e o levou a escrever a carta a Manoel I, que Damião de Goes diz ler visto, propondo voltar ao serviço de Portugal»


jdact e cortesia de wikipedia

NOTA: Conforme o original

(Continuação)

A América Antecolombiana
«Não foi só este portuguez que, engodado pelo vil interesse ou ferido pelos desgostos, abandonou a pátria para ir servir estranhos. Na Hespanha e na França eram acolhidos e bem estipendiados os homens práticos nos mares da Guiné e das índias orientaes. Assim se tornaram bem notáveis, entre outros, os pilotos Estevão Dias, o Brigas, Rosado de Villa do Conde, João Fernandes e Fernando de Magalhães.
João Dias, piloto portuguez, em 1495 foi prezo em Hespanha e entregue a Portugal por ter sido cúmplice com os francezes no roubo de 20:000 dobras, feito a uma caravella portugueza que vinha da Mina. A João Fernandes, morador na Ilha Terceira foi concedida em 1499 a capitania de qualquer ilha povoada ou por povoar que descobrisse. Parece ter sido este o piloto que, não conseguindo em Portugal os meios para a expedição, se associara a dois portuguezes dos Açores, Francisco Fernandes e João Gonçalves, escudeiros, e a três negociantes de Bristol, Richard Warde, Thomaz Assehelmret e John Thomaz, a quem Henrique VII de Inglaterra passou, a 19 de março de 1501, uma carta patente para descobrirem terras e governal-as em seu nome. Emquanto a Fernando de Magalhães pela importância da sua empreza marítima e consequências que se seguiram merece menção especial, embora a epocha do facto vá além daquella que nos propomos esboçar.
Pelo aviso de Álvaro da Costa, embaixador em Castella, soube-se logo em Lisboa das propostas de Fernão de Magalhães e do astrólogo e mathematico Ruy Falleiro a Carlos V, e considerou-se caso grave. No conselho de estado reunido em Cintra o bispo de Lamego insistiu em que se chamassem ao reino os dois portuguezes desleaes, e se lhes fizessem mercês que os contentassem; mas el-rei Manoel, o duque de Bragança Jayme, e o conde de Tarouca, sem medirem o alcance de tal tentativa, foram de opinião inteiramente contraria. Álvaro da Costa, não podendo prolongar os estorvos á viagem perante o concelho de Castella, procurou attrahir Magalhães com grandes promessas, tendo com elle longas praticas em Saragoça, e provavelmente o levou a escrever a carta a el-rei Manoel I, que Damião de Goes diz ler visto, propondo voltar ao serviço de Portugal.
Manoel I teimou na recusa, resultando para o reino gastos consideráveis, desavenças entre as duas monarchias, e para Magalhães a gloria dos descobrimentos do Estreito, das Ilhas Philipinas e dos Ladrões, depois chamadas Mariannas. Ás cartas que lhe escreveu Francisco Serrão, feitor em Banda, homem muito conhecedor d’aquellas ilhas, assim como das de Ternale, Maluco e Malaca por onde navegou muitos annos, se attribue o emprehendimento de Magalhães, como verificou António de Brito em Maluco na correspondência encontrada por morte do dito Serrão. Gaspar Correia foi contemporâneo de Fernão de Magalhães, com quem serviu na índia durante o governo de Affonso d’Albuquerque, e por isso o temos como mais authentico e imparcial entre os escriptores que narraram os acontecimentos, e d’elle tresladamos o seguinte:
  • Fernando de Magalhães era da criação de El-Rey e veo á India com o Viso rei dom Francisco, e foy no feito de rumes, e sempre nas armadas, e em Calecut, muyto ferido, e perdeo n’estas naos sua pobreza, e proue se foy a Portugal, e andou em requerimentos de seus serviços, e pedia a El-Rey cem reaes d'acrecentamento em sua moradia, o que lhe El-Rey nom quis fazer, do que se agrauou, e foy pera Castella viuer em Seuilha, onde se casou: e porque tinha muyto saber n’arte de nauegação, e espirito, que se lançou a ysso, se concertou com os regentes da casa da Contratação de Seuilha, com que lhe deu o Emperador huma armada de cinco nauios com que nauegou, descobrindo nouo caminho pera Maluco, o que foy no anno de quinhentos e dezanoue, como adiante em seu logar conlarey; com que deu depois muyto trabalho a Portugal.
No governo de Diogo Lopes de Sequeira, o capitulo XIV tem por titulo:
  • Que reconta da armada que partio de Castella o anno de 1519, de que foy capitão mor Fernão de Magalhães, homem portuguez, que agrauado d'El-Rey de Portugal se foy viuer com o emperador Carlos; e conta todo o que passou na viagem, e os que chegarão a Maluco, e o fim que tod’armada ouve.
Diremos apenas em resumo: que a proposta de Magalhães aos regedores era que, se lhe dessem navios e gente, iria ás ilhas de Malaca e Maluco, que pela demarcação do tratado de Tordesillas estavam no quinhão de Hespanha, obrigando-se a fazer a navegação para lá sem tocar em nenhum mar nem terra de el-rei de Portugal. Carlos V deu a concessão nas condições propostas.

NOTA: Carta Regia dirigida pelo rei de Hespanha a Fernando de Magalhães e a Ruy Faleiro para seguirem na armada viagem para as Molucas. El Rey - Fernando de Magallañs e Ruy Falero, cavalleros de la ordem de Samtiago nuestros capitañs generales dellarmada que mandamos hacer para yr a descobrir, y a los otros capitañs particulares de la dicha armada, e pilotos, e maestros, e contramaestres, e marineros de las náos de la dicha armada : por quanto yo tengo por cierto segund la mucha informacion que he avido de personas que por esperiencias lo an visto, que en las islas de Maluco ay la especiaria, que principalmente ys a buscar com esa dicha armada, e my voluntad es que derechamente sigais el viage a la dichas islas por la forma e manera que lo he dicho e mandado a vós el dicho Fernando de Magallañs: por ende yo vos mando a todos e a cada uno de vos, que en la navegacion dei dicho viage sigais el parecer e determinacion del dicho Fernando de Magallañs para que antes e primero que a otra parte alguna vais a las dichas islas de Moluco sin que en ello aya ninguna falta por que asy cumple o nuestro servicio e despues de fecho eslo se podra buscar lo de mas que convenga, conforme a lo que llevais mandado, e los unos ny los outros non fagades ny fagan ende al por alguna maneia so pena de perdimento de biens, e las personas e la nuestra merced. Fecha en Barcelona a diez e nueve dias dei mez de abril ano de mill e quinientos e diez e nueve anos. Yo elrey.


Concluidos os preparativos da armada, escolheram-se capitães de confiança, que haviam de comandar as naus, e foram elles - João de Cartagena a Santo António, Luiz de Mendoça la Victoria, João Serrano Santiago e Pero de Quesada la Concepcion. A frota com gente paga por seis mezes, levando por capitão-mór Fernando de Magalhães na nau Trinidad, sahiu do Porto de São Lucas de Barrameda a 21 de setembro de 1519 e foi tomar agna ás ilhas Canárias. Ahi recebeu Magalhães carta do sogro, prevenindo-o contra alguns dos capitães, que por occasião do embarque haviam dito que se elle os anojasse o matariam. Magalhães respondeu-lhe nobremente, como homem que nada receia pelos seus actos, e que possuía o valor necessário para fazer manter a disciplina na armada que lhe haviam confiado». In A. C. Teixeira de Aragão, Breve Notícia sobre o Descobrimento da América, Mckew Parr Collection, Maggellan, BrandeisUniversity (Lo que nos importa), Tipografia da Academia Real das Ciências, Lisboa, 1892.

continua
Cortesia de Academia das Ciências/JDACT