quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

FCG. Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. «A expedição ao rio Don levou-o por caminhos árduos e pouco frequentados que lhe causaram um considerável desgaste físico, mas teve a compensação de encontrar os Tártaros e de adquirir alguns conhecimentos sobre essas tribos isoladas»

jdact

«Góis voltou à Polónia em 1531, mas uma segunda tentativa para unir os dois países por um laço dinástico também fracassou. Todavia a missão de 1531, iniciada na Dinamarca, deu a Góis a oportunidade de ver terras novas, de adquirir novas dimensões de pensamento, e de ter novas possibilidades para compreender a história. Em primeiro lugar, e tanto quanto se sabe, a tarefa de Góis requeria agora, pela primeira vez, negociações diplomáticas com um governante protestante. O rei Frederico da Dinamarca tinha-se desavindo com Carlos V por este proteger o predecessor destronado de Frederico, que era católico. Góis teria provavelmente tido a delicada incumbência de transmitir as garantias de neutralidade de João III neste conflito. Estas diligências de Gois foram um desafio à sua perícia diplomática e um teste da sua tolerância religiosa, mas parece que teve um encontro amigável com Frederico, que lhe recomendou que visitasse um certo protestante eminente em Schleswig.
A muitos respeitos, a Dinamarca deu o tom necessário à terceira missão de Góis. João III era um governante pragmático, mais guiado por considerações práticas do que por princípios religiosos. Desse modo enviou Góis para travar esse primeiro diálogo oficial com um rei protestante e não levantou objecções aos outros diálogos de Gois, durante a viagem, com protestantes, na sua maioria particulares.
Góis foi a Schleswig, e daí para Luebeck, onde teria tentado diminuir a rivalidade económica entre essa cidade livre e a Dinamarca, que constituía uma ameaça à segurança das vias marítimas do Norte. A seguir fez uma visita particular a Wittenberg e depois viajou para a Rússia através da Prússia e da Polónia. Como a Prússia tinha recentemente feito progressos económicos, é possível que aí o objectivo de João III fosse o estabelecimento de contactos comerciais. Góis foi liberalmente recebido com banquetes e guardou uma viva recordação do caloroso acolhimento que lhe foi feito pelos russos.
Completada a visita oficial à Rússia, Góis organizou uma viagem de exploração ao rio Don, na esperança de conhecer as tribos tártaras. A curiosidade de Góis pelas civilizações desconhecidas, cedo evidenciada, era com certeza mais do que um entusiasmo juvenil. O fruto colhido das lições sociais e culturais dessa última missão e patente nos seus escritos históricos da maturidade dá prova de um interesse sério e duradoiro. A expedição ao rio Don levou-o por caminhos árduos e pouco frequentados que lhe causaram um considerável desgaste físico, mas teve a compensação de encontrar os Tártaros e de adquirir alguns conhecimentos sobre essas tribos isoladas. A viagem de Góis foi um empreendimento ousado, pois poucos homens do seu tempo, de que Sigismundo von Herberstein era uma excepção, se interessavam em conhecer esse povo reputado como brutal.
Os amigos de Góis, Cornelius Grapheus e André de Resende, estudante português de Lovaina, enviaram-lhe poemas celebrando o seu regresso a são e salvo dessa audaciosa viagem. Grapheus pensava que o desejo de Góis de conhecer uma gente tão estúpida, incivilizada e bárbara era simplesmente inacreditável, e Resende classificou de intrepidez o ir viver com uma tribo que não temia a Deus e estava sempre pronta para a carnificina num acesso de paixão. Se Góis tivesse escrito o relato das suas aventuras no rio Don estaríamos em melhor posição para avaliar o que ele próprio sentia a respeito dessa visita.
Fez poucas referências aos Tártaros na sua Chronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel; delas pode concluir-se que aceitava sem reservas o seu modo de vida embora possivelmente se ofendesse com a religião muçulmana, que eles praticavam. A atitude generosa de Góis para com os povos estrangeiros reflecte-se claramente no relato duma visita feita alguns anos mais tarde ao país dos Lapões, cujos costumes primitivos avaliou de forma objectiva.
Pouco depois de ter concluído a missão de 1531 Góis abandonou a carreira diplomática. Seria difícil fazer uma apreciação exacta da estatura de Góis como diplomata. Desempenhou um papel necessariamente secundário mas era estimado e considerado no círculo dos seus iguais. Em carta ao cardeal Sadoleto, anos mais tarde, Góis dizia que se sentia deslocado na diplomacia; mas na realidade parecia gozar a vida activa de diplomata, revelou certa habilidade como negociador, e tirou o máximo partido da oportunidade de viajar. Pôde descobrir muitas coisas sobre política e cultura que não teria podido aprender de outro modo». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT