«Góis voltou à Polónia em
1531, mas uma segunda tentativa para unir os dois países por um laço dinástico
também fracassou. Todavia a missão de 1531, iniciada na Dinamarca, deu a Góis a oportunidade de ver terras
novas, de adquirir novas dimensões de pensamento, e de ter novas possibilidades
para compreender a história. Em primeiro lugar, e tanto quanto se sabe, a tarefa
de Góis requeria agora, pela
primeira vez, negociações diplomáticas com um governante protestante. O rei
Frederico da Dinamarca tinha-se desavindo com Carlos V por este proteger o
predecessor destronado de Frederico, que era católico. Góis teria provavelmente tido a delicada incumbência de transmitir
as garantias de neutralidade de João III neste conflito. Estas diligências de Gois foram um desafio à sua perícia
diplomática e um teste da sua tolerância religiosa, mas parece que teve um
encontro amigável com Frederico, que lhe recomendou que visitasse um certo protestante
eminente em Schleswig.
A muitos respeitos, a Dinamarca deu o tom necessário à terceira missão
de Góis. João III era um governante
pragmático, mais guiado por considerações práticas do que por princípios
religiosos. Desse modo enviou Góis
para travar esse primeiro diálogo oficial com um rei protestante e não levantou
objecções aos outros diálogos de Gois,
durante a viagem, com protestantes, na sua maioria particulares.
Góis foi a Schleswig, e daí
para Luebeck, onde teria tentado diminuir a rivalidade económica entre essa
cidade livre e a Dinamarca, que constituía uma ameaça à segurança das vias
marítimas do Norte. A seguir fez uma visita particular a Wittenberg e depois
viajou para a Rússia através da Prússia e da Polónia. Como a Prússia tinha
recentemente feito progressos económicos, é possível que aí o objectivo de João
III fosse o estabelecimento de contactos comerciais. Góis foi liberalmente recebido com banquetes e guardou uma viva
recordação do caloroso acolhimento que lhe foi feito pelos russos.
Completada a visita oficial à Rússia, Góis organizou uma viagem de exploração ao rio Don, na esperança de
conhecer as tribos tártaras. A curiosidade de Góis pelas civilizações desconhecidas, cedo evidenciada, era com
certeza mais do que um entusiasmo juvenil. O fruto colhido das lições sociais e
culturais dessa última missão e patente nos seus escritos históricos da
maturidade dá prova de um interesse sério e duradoiro. A expedição ao rio Don
levou-o por caminhos árduos e pouco frequentados que lhe causaram um
considerável desgaste físico, mas teve a compensação de encontrar os Tártaros e
de adquirir alguns conhecimentos sobre essas tribos isoladas. A viagem de Góis foi um empreendimento ousado, pois
poucos homens do seu tempo, de que Sigismundo von Herberstein era uma excepção,
se interessavam em conhecer esse povo reputado como brutal.
Os amigos de Góis, Cornelius
Grapheus e André de Resende, estudante português de Lovaina, enviaram-lhe
poemas celebrando o seu regresso a são e salvo dessa audaciosa viagem. Grapheus
pensava que o desejo de Góis de
conhecer uma gente tão estúpida, incivilizada e bárbara era simplesmente
inacreditável, e Resende classificou
de intrepidez
o ir viver com uma tribo que não temia a Deus e estava sempre pronta
para a carnificina num acesso de paixão. Se Góis tivesse escrito o relato das suas aventuras no rio Don
estaríamos em melhor posição para avaliar o que ele próprio sentia a respeito
dessa visita.
Fez poucas referências aos Tártaros na sua Chronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel;
delas pode concluir-se que aceitava sem reservas o seu modo de vida embora
possivelmente se ofendesse com a religião muçulmana, que eles praticavam. A
atitude generosa de Góis para com os
povos estrangeiros reflecte-se claramente no relato duma visita feita alguns anos
mais tarde ao país dos Lapões, cujos costumes primitivos avaliou de forma
objectiva.
Pouco depois de ter concluído a missão de 1531 Góis abandonou a carreira diplomática. Seria difícil fazer uma
apreciação exacta da estatura de Góis
como diplomata. Desempenhou um papel necessariamente secundário mas era
estimado e considerado no círculo dos seus iguais. Em carta ao cardeal
Sadoleto, anos mais tarde, Góis
dizia que se sentia deslocado na diplomacia; mas na realidade parecia gozar a vida activa
de diplomata, revelou certa habilidade como negociador, e tirou o máximo
partido da oportunidade de viajar. Pôde descobrir muitas coisas sobre política
e cultura que não teria podido aprender de outro modo». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião
de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.
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