quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A Igreja Sueva de São Martinho de Dume. Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal. Luís Fontes. «Cumpre destacar a permanência dos eixos estruturantes da malha urbana romana inicial, patente no facto da mancha edificada do conjunto da catedral ocupar precisamente o espaço correspondente a dois quarteirões da cidade romana»

Proposta de planta da basílica paleocristã de Braga (séculos V-IX).
jdact e cortesia de uaum/lfontes

Sé de Braga
A Sé Catedral de Braga localiza-se ao centro da cidade medieval, sobrepondo-se à periferia norte da malha urbana romana, em zona contígua mas ainda interior da muralha que envolveu a cidade no século IV. Sob as actuais capela-mor e quadra central do transepto conservam-se partes significativas de paredes de alvenaria e/ou de cantaria graníticas, associadas a uma sequência ocupacional relativamente longa, que se recua até ao século I. De funcionalidade desconhecida, existiu aqui um grande edifício romano que ocuparia todo o quarteirão, com cerca de 33 x 33 metros. Para além de remodelações intermédias, atestadas por repavimentações, este edifício terá sofrido uma profunda transformação entre finais do século III e inícios do século IV, época em que terá passado a existir uma compartimentação mais ampla.
Em data posterior ao séc. IV este edifício conheceu diversas remodelações, identificando-se um conjunto de elementos construídos que testemunham com clareza variações na organização funcional do espaço, desde pilares que parecem organizar uma partição em naves até vãos de portas que se rasgam e se entaipam. Sem quaisquer outros dados que permitam pormenorizar as características arquitectónicas e a organização funcional dos espaços relacionados com esta fase, para além da configuração genérica em três naves, fica em aberto a possibilidade do grande edifício romano do Baixo-Império ter sido transformado em templo, até porque os vestígios considerados aceitam a sua integração no modelo basilical paleocristão que se difundiu pela Europa a partir dos séculos III e IV.
Aparentemente, o modelo basilical, que se terá mantido, talvez com variações, até à organização alto-medieval do território bracarense (séc. IX-X), só veio a ser definitivamente alterado depois do ano 1000, com a edificação do templo românico. Cumpre destacar, porém, a permanência dos eixos estruturantes da malha urbana romana inicial, patente no facto da mancha edificada do conjunto da catedral ocupar precisamente o espaço correspondente a dois quarteirões da cidade romana.

Falperra
A estação arqueológica da Falperra (Santa Marta das Cortiças) localiza-se a menos de 3km do centro da cidade de Braga, implantando-se a cerca de 560m de altitude, no topo do promontório que remata, a Sul, o relevo em arco que desenha a cabeceira do rio Este, dominando o troço inicial do curso do rio e a plataforma onde se implanta a cidade de Braga e a estratégica abertura para o vale do rio Cávado. Este sítio já foi objecto de trabalhos arqueológicos em meados do século XX, sob a direcção de Russel Cortez, Sérgio Silva Pinto, Arlindo Cunha e Rigaud Sousa, tendo sido integralmente descobertas e restauradas as ruínas do palácio e da basílica, interpretando-se então o conjunto como mosteiro. O diverso espólio recolhido nestas intervenções confirmou a longa ocupação do local, desde o Calcolítico até à Alta Idade Média, relevando a ocupação do período suevo e/ou visigodo.
Aí se conservam, para além de vestígios das muralhas que circuitavam o povoado fortificado pré-romano e dispersas pela plataforma superior e mais ou menos visíveis, as ruínas de vários edifícios construídos em alvenaria granítica regular, que se interpretam actualmente como constituintes de um conjunto palatino de época sueva.
Distinguem-se três edifícios, dispostos em socalcos e todos de planta rectangular:
  • a NE, em plano superior, um grande edifício com 25x16m, correspondente a uma basílica paleocristã, com nave central e abside semicircular inscrita;
  • ao centro, um edifício com 40x14m, com grande sala dividida por alinhamento central longitudinal de pilares e compartimentos anexos, que corresponderá à residência senhorial;
  • em plano inferior, a SW, outro edifício, com compartimentação múltipla, tipo insula.

Planta do conjunto palatinoda falperra (Sousa 1970)


Pormenor das ruínas da basílica, fotografada em 1954

Capitel dos séculos V-VI
jdact e cortesia de uaum/lfontes

São Frutuoso
O monumento de São Frutuoso localiza-se num pequeno outeiro denominado Monélios, a 2 quilómetros do centro da cidade de Braga, sobranceiro a um dos vários ribeiros que irrigam a ampla veiga que se estende até ao rio Cávado. É um mausoléu de fundação visigótica, tendo sido mandado erigir cerca do ano 660 pelo bispo bracarense São Frutuoso para abrigar a sua sepultura, ao lado de um mosteiro dedicado a São Salvador. O mausoléu terá sido reconstruído nos séculos IX-XI, no contexto da organização asturo-leonesa do território e acompanhando provavelmente a implementação do culto de São Frutuoso». In Luís Fontes, A Igreja Sueva de São Martinho de Dume, Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Revista de História da Arte, 2008.

Cortesia da UAUAveiro/JDACT