«Veneza permanece voltada para o Levante: contemporaneamente, Marco
Polo opõe-se aos Vivaldi. São, porém, os problemas do Levante que
preponderantemente comandam a acção genovesa. Os cristãos expulsos da Terra
Santa são João de Acre cai em 1291, as garras do Egipto mameluco a apertarem-se
cada vez mais sobre o Crescente limítrofe, é uma barreira que subitamente se
interpõe entre a cidade italiana e os opulentos mercados asiáticos, criando
condições difíceis para o trato cristão das especiarias. Génova esforçou-se por
a soltar, voltando-se sucessivamente para o Levante e para o Poente. Por um
lado, os genoveses equiparam uma esquadra no golfo Pérsico, a fim de bloquear o
mar Roxo e forçar o Cairo a uma atitude razoável. Fracasso. Por outro lado, suas velas procuraram descobrir uma rota
oceânica para as Índias. Novo fracasso.
Acrescente-se, para retomar o fio da discussão da viagem dos Vivaldi,
que visto tratar-se de resolver o problema das especiarias, provavelmente o
destino dos dois irmãos seria o Malabar; não sendo o Cathay nem o
Cipangu, a rota que se propunham sulcar deveria ser a do Cabo.
No ocaso do século XIII e em começos do século XIV abundam os projectos
de cruzadas, nos grandes centros mediterrâneos. É a hora de Marino Sanudo
e, em Maiorca, de Raimundo Lúlio. A interrupção prejudicara mais Génova,
obediente às objurgatórias pontifícias do que Veneza, pouco propensa a impressionar-se
com os coriscos da Santa Sé, mas que apesar disso durante 20 anos não enviou as
galés a Alexandria. O comércio genovês debatia-se com uma concorrência
vitoriosa, e essa a razão por que de Génova desaferraram os Vivaldi. Mas os
genoveses reocuparam um lugar ao sol, e sobretudo tinham solidamente em mãos
o mar Negro, os escravos, a seda, e desenvolviam os seus negócios no Poente,
Ceuta,
Canárias, Suz, Sidjilmessa. A expansão alongava-se através do
Mediterrâneo, em marcha para leste, e os mercadores de Aragão não desdenhavam
tratar em Alexandria e Beirute. A cartografia catalã revela um prodigioso
conhecimento do interior da Africa do Norte: escalas das caravanas
trans-saarianas, mercados sudaneses do ouro, reinos negros e nómadas embuçados.
É que outro problema se punha, ao mesmo tempo que o das especiarias: o
problema do metal amarelo. O surto mineiro da Europa central e oriental
aviltava o valor da prata, logo encarecia o ouro. A razão entre os dois metais
preciosos, que era, na Itália setentrional, de 10, em média, para o período
1250-1285, sobe a 13,5 de 1302 a 1335. Por isso a corrida para o ouro, a dura
concorrência dos cristãos nos mercados maghrebinos, o seu aparecimento
nos oásis escalas das caravanas, a tentativa de Ferrer de alcançar pela via
marítima a origem do precioso tibar, o estabelecimento de
genoveses nas Canárias...
Em breve, porém, a produção mineira europeia decai, e consequentemente
o preço do ouro expresso em prata baixa devido à rarefacção do metal branco.
Nas cidades da Barbaria os mercadores cristãos compram quantidades suficientes
do fulvo metal. A ocasião ainda não chegou, de impelir teimosamente as velas
até os rios de Guiné. Quanto às especiarias, na década de 1340 os cristãos
voltam a acomodar-se com o Cairo. Também ainda não chegara a ocasião de rumar,
custasse o que custasse, através da imensidão oceânica, para o Malabar da
pimenta.
Expansão abortada, numa palavra; mas tentativas de expansão oceânica,
apesar de tudo, das quais ficariam resultados não de desprezar. Postas em movimento
pelo mecanismo que acabamos de esboçar, teria havido um conjunto de condições
que as tornassem possíveis?» In Vitorino Magalhães Godinho, A Expansão
Quatrocentista Portuguesa, 1962, Publicações Dom Quixote, 2008, ISBN
978-972-20-3510-1.
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