Portugal encontra a China
«Logo nos portos do Norte de Samatra, Sumatra, actual Indonésia, que foram
escalados antes da chegada a Malaca, os portugueses terão contactado com os
chineses, pelo menos, terão recebido porcelanas chinesas de presente por parte
do sultão de Pedir. Por essa altura, a cidade de Malaca, na península malaia,
era um centro económico transbordante de riqueza do Sueste Asiático, onde mercadorias
raras e valiosas se cruzavam numa azáfama febril. Tinha tratados de suserania
com a China, provavelmente reafirmados quando Zhang He e as suas
expedições tinham passado por 1á.
À sua chegada a Malaca, a l de Julho de 1509, Sequeira
encontrou dois ou três juncos chineses no porto. Contactou directamente os
mercadores, comeu a bordo de um deles. Terá sido, de facto, o primeiro encontro
luso-chinês de que há registo. Numa anónima Crónica do Descobrimento e Primeiras
Conquistas dos Portugueses na Índia, manuscrito da segunda metade do
século XVI existente no Museu Britânico, descreve-se o episódio, com realce para
os rituais de saudação. O língua (tradutor) que acompanhava os
portugueses não os entendeu, pelo que foi chamado um mouro de Malaca
que sabia língua dos chins. Tanto que veio, falaram em muitas coisas,
perguntando-se uns aos outros pelas coisas de seus reis e de seus reinos.
Depois, a descrição prossegue com o quadro físico destes chineses, provavelmente
provenientes de comunidades ultramarinas estabelecidas em toda aquela zona ou
oriundas de zonas costeiras da China do Sul:
- São homens alvos e bem-dispostos, não têm barba, salvo no bebedouro, os olhos pequenos e os lagrimais afastados dos narizes, cabelos compridos, quase pretos e ralos [...].
Compreende-se a dificuldade de entendimento entre portugueses e chineses,
neste primeiro encontro, fruto de um diálogo indirecto, feito através de um língua
local, que por sua vez transmitia o que ouvia, ora aos chineses, ora ao língua
que Diogo Lopes Sequeira tinha trazido consigo, e este aos portugueses.
Daí que se possa perceber que o relato refira: Dizem que são cristãos.
Os reinos europeus, cercados no mundo conhecido de então por um muro islâmico, ansiavam
por comprovar lendas que falavam de reinos cristãos para lá desse muro, como o
do Preste João. Os desejos
moldavam-se à realidade. Estes chineses não eram muçulmanos, logo, eram
cristãos...
Uma coisa terá aproximado, desde logo as duas partes: os portugueses
tinham contactado até aí, no seu caminho para Oriente, com populações cheias de
tabus religiosos do ponto de vista da alimentação. Ali, os chins mostravam-se
abertos, comem toda a vianda, bebem vinho. Além disso, o cronista acha
importante referir que estes mercadores, nas suas viagens, trazem consigo mulheres.
Diogo
Lopes Sequeira regressou a Portugal em 1510.
Certamente munido das informações sobre a força militar em presença fornecidas
por Sequeira, Afonso de
Albuquerque conquista Malaca no ano seguinte. Um novo e amistoso
encontro com mercadores chineses e os seus juncos ocorre ao largo da cidade,
com os comerciantes a ajudarem ao transporte de tropas lusas. João
de Barros, nas Décadas da Ásia,
diz que Afonso de Albuquerque enviou mensageiros seus à China,
mas não há outras fontes que confirmem esta primeira tentativa de relações
diplomáticas com o Império do
Meio.
Ao certo, em 1513, o capitão de Malaca, Jorge de Albuquerque, envia um oficial da coroa, Jorge Álvares, com o objectivo claro de, pela primeira vez, navegar até à China. Com um carregamento de pimenta de Samatra a bordo, chega a Tamão, hoje cientificamente identificada com Lantão uma das ilhas do delta do rio da Pérola, Zhujiang, ao largo de Hong Kong. Cartas de mercadores italianos aludem a este primeiro contacto comercial luso-chinês conhecido, referindo que os portugueses não foram autorizados a desembarcar; pois dizem que é contra os seus costumes deixar os estrangeiros entrar nas suas residências. Mesmo assim, o negócio fez-se e Álvares e companheiros venderam a mercadoria por bom preço, e dizem que é tão lucrativo levar especiarias para a China como levá-las para Portugal; pois é um país frio e fazem muito uso delas.
Ao encetar relações comerciais com a China, os
portugueses estavam a imiscuir-se definitivamente, e nos primeiros tempos em
monopólio, como ocidentais, na rede de comércio regional que ligava há séculos
a Insulíndia ao Sul da China.
No regresso, Pires levava produtos chineses para vender em Malaca, e não em
Lisboa». In Portugal encontra a China, Testemunhos de uma
convivência, Portugal e a China, Uma Ponte com 500 anos, Instituto Camões,
Fundação Oriente, 2004.
Cortesia da F. Oriente/JDACT