O Feito de Goa (1510-1530)
«A política portuguesa no Oriente, durante os primeiros anos, não se
apresentou homogénea, nem sequer coerente, mas foi antes marcada, por
hesitações e flutuações, traduzidas na coexistência de projectos. Alguns
goraram-se, outros vingaram, vindo a marcar a presença portuguesa no Índico. A
intenção de fazer de Goa uma conquista portuguesa e, posteriormente, o centro político-administrativo
do Estado que então se formava
insere-se neste clima. Se é certo que constituiu um desses projectos vencedores,
precisou de tempo para se afirmar, e foi intensamente discutido por todos
aqueles que se encontravam envolvidos neste empreendimento e nele tinham voz
activa:
- o rei mais a sua corte em Lisboa,
- e o governador, somado ao Conselho dos Capitães, na Índia.
O debate em tomo do feito de Goa encerra perspectivas
díspares que extrapolam os limites argumentativos dessa situação concreta. Por
isso, quando se pôs o problema da oportunidade da conquista e da pertinência da
conservação da cidade, estava a colocar-se uma questão muito mais profunda: a
de determinar os objectivos dos portugueses no Índico. Os partidários de Goa,
de que era protagonista Afonso de Albuquerque, defendiam a afirmação política,
conseguida através da constituição de um Estado português na Ásia. Os opositores
a Goa refutavam uma presença de cunho estadual, em benefício de uma política
exclusivamente comercial, promotora dos interesses particulares.
A situação de Goa
Para os portugueses, o valor de Goa prendia-se com três ordens de razões:
- a sua posição estratégica face aos equilíbrios globais do Índico,
- a sua centralidade comercial,
- as qualidades intrínsecas que oferecia.
Goa como parte integrante do
Estado da Índia é-o somente a partir de 1510. Ao longo da história, estivera
sujeita a diferentes povose respectivas formações políticas: na Antiguidade
aos Mauryas, na época medieval aos Kadambas e depois ao Império
hindu de Vijayanagar, acabando, por fim, submetida aos reinos muçulmanos do Decão,
desmembrados em 1347 do sultanato de Delhi, sob as dinastias independentes dos Bahmânidas
(1470) e, posteriormente, de Bijâpur (1490).
Quando os portugueses chegaram ao Oriente, o subcontinente indiano
vivia um momento de fragmentação política, marcado pela coexistência de
múltiplos poderes muçulmanos a que se somavam os hindus. A geografia política
estava, em muito, condicionada pela história recente do sultanato de Delhi.
Constituído no final do século XII, princípios do XIII, sofrera uma progressiva
desintegração no decorrer do século XIV, o que conduziu à formação de
sultanatos regionais de menor dimensão. Aquele
que interessa mais directamente à história do território goês é o sultanato do
Decão. De 1347 até ao século XV, chegou a constituir um império
compacto, sob a égide da dinastia Bahmânida. Aproximado o século XVI, porém,
adveio um novo período de dissensões no interior do império Bahmânida, na sequência
da secessão dos governadores provinciais, nascendo em sua substituição cinco
sultanatos distintos, Bidar, Berar, Ahmadnagar, Bijapur
e Golconda. Entre eles, estava
o governador de Bijapur, fundador da dinastia de Adil Shâh (1490-1680). O
seu sultanato abrangia todo o Oeste do Decão, a região ocupada pelos Maratas e
dispunha de uma larga faixa costeira, na qual estava localizada a cidade de Goa.
O sultanato era uma forma de organização estadual associada ao Islão,
que nasceu da desintegração do califado abássida de Bagdad, nos séculos IX-X.
Neste sistema político, o centro de poder era o próprio sultão que, de uma
maneira geral, o alcançava graças à conquista militar e a um golpe de Estado, e
só mais raramente por recurso ao legítimo direito dinástico. Tratava-se
portanto de organizações políticas não centralizadas, pouco estáveis e, como
tal, facilmente sujeitas a situações de instabilidade política. É assim que,
num espaço de tempo relativamente curto, verificamos o aparecimento e desintegração do sultanato de Delhi,
primeiro, e depois do do Decão.
A par dos sultanatos regionais existiam pequenos reinos costeiros hindus
ou muçulmanos que mantiveram relações constantes com os portugueses. Entre eles
destaquemos o samorim de Calecut,
com o qual os portugueses sustentaram ligações de qualidade variável, e ainda o
rajá de Cochi aliado
tradicional, e de Cananor e Coulão, bem como outros portos de
importância mais secundária. Em 1583, o florentino Filippo Sasseti rotulava
os rajás do Malabar como reis de xadrez,
querendo com isso significar a fragmentação do poder e as rivalidades
constantes, onde as potências estrangeiras desempenharam o seu papel e, em
concreto, os portugueses. Por fim, as confederações militar e politicamente
relevantes, como o Rajput e Vijayanagar. Assim, numa perspectiva
meramente política, a integração de Goa
no Estado da Índia envolvia de
uma forma directa o soberano de
Bijapur, em exclusivo». In Catarina Madeira Santos, Goa é a Chave de
toda a Índia. Perfil Político de 1505-1570, colecção Outras Margens, 1999, ISBN
972-8325-96-7.
A saudade do Álvaro José (onde quer que estejas!)
Cortesia de Outras Margens/JDACT