Devisme, Monserrate e
o Romantismo
«Se sabemos algo de
Monserrate e muito do Romantismo, sobre Devisme pouco se sabe.
Uma coisa que se sabe, e
é importante de certeza, é de que ele foi hóspede e locatário do Palácio do Marquês de Pombal na
Rua Formosa, hoje Rua do Século,
que ainda lá está, e onde ele se instalou com um sócio, David Pury, um
marchante de Neuchâtel, um suíço portanto, e que com ele tinha a casa bancária
Pury, Mellish & Devismes. Muito conhecido na Suiça, onde tem um monumento
pedestre na sua cidade, da qual é considerado uma figura ilustre, Pury deve
essa notoriedade ao facto de ter doado bastante bens a Neufchatel, bens esses
ganhos em Portugal. Quando morreu, em 1786, foi sepultado no Cemitério Inglês,
junto ao Jardim da Estrela, aqui em Lisboa, onde ainda se encontra a sua tumba.
De resto, esta associação dos dois deixou um testemunho artístico no famoso quadro
à glória de Pombal, encomendado em Paris a um dos principais retratistas das
corte, Van Loo, em que se vê o Marquês com Lisboa ao fundo, alusão à reconstrução
pós–terramoto e ao seu poder Devisme, que será de nome próprio Gerard à
francesa ou Gerald à inglesa, tem um brasão que, tal como aparece quer na
Enciclopédia Portuguesa-Brasileira quer a Enciclopédia Verbo, é tipicamente
inglês, com uma asna, ou chevron, abundante na heráldica
inglesa, raro na francesa e ausente da portuguesa. Este Devisme, com um nome de
família todo junto mas que é de origem francesa concerteza, seja lido
integralmente à inglesa ou ‘Devi’me’
à francesa, provém claramente de uma família huguenote, protestante, que se expatriou,
como muitas outras, por razões religiosas, e é de origem nobre, como se adivinha
na partícula, de Visme, que se manteve, como é hábito também e até por um certo
preceito de uso francesa da sílaba tónica (razão pela qual não dizemos ‘de Montherlant’
mas apenas ‘Montherlant’, e não unicamente ‘Visme’ mas ‘de Visme’).
O que se sabe de
positivo é que ele foi, (teve um monopólio de pau brasil), um riquíssimo monopólio
de importação de madeiras exóticas vindas do Brasil e isso significa de certeza
boas relações de apaniguado com o todo poderoso Marquês de Pombal e esse monopólio
começa em 1760, logo a seguir ao terramoto, em plena Reconstrução de Lisboa.
Estar nas boas graças de Pombal era evidentemente algo de importante e algo de rentável,
o que explica a fortuna que ele fez, certamente também com outros negócios que
se juntaram a esse, e a possibilidade de fazer duas grande casas nos arredores
de Lisboa, esta de Monserrate (que não
é esta!) e a de S. Domingos de Benfica que existe ainda, embora com
certas transformações, e sobre a qual toda a história de arte se tem debruçado
porque mais significativa do que esta outra desaparecida.
Mais significativa
porque é um palácio de médio porte com três corpos, grandes jardins, grandes fábricas
nos jardins, como se dizia então, de pequenas construções, fontes e de estatuária
de chumbo que se importou de Inglaterra naquela altura, e esse palácio foi vendido,
depois da sua morte, ao Marquês de Abrantes, e o Marquês de Abrantes que era senhor
de uma casa muito poderosa nessa altura e que depois se arruinou, vendeu-o à Infanta
Isabel Maria, regente de Portugal, irmã de Pedro I e Miguel, regente mais ligada
ao mano Pedro do que ao mano Miguel, e que ali se instalou com uma pequena corte,
dando-lhe um porte e um carácter aúlico,
e temos a sorte de a posterior transformação em colégio de meninas o ter
conservado, continuando assim em S. Domingos de Benfica, perto do célebre
palácio dos Fronteiras e do convento do mesmo nome. Temos também a sorte de ter
a imagem do edifício tal qual era na altura, uma excelente pintura que está no
Museu das Artes Decorativas de Paris feita por Noël, pintor francês que viveu
em Portugal e alguma coisa aqui trabalhou, e que fixou relações com a aristocracia
ou a gente dinheirosa da época. É por tudo isto que é sobre ela que geralmente
cai a atenção dos historiadores de arte. Sabemos que o seu arquitecto foi Inácio
de Oliveira Bernardes, um homem que vem de uma família de azulejistas, mas que fez
alguma arquitectura, de alguma qualidade média se bem que de qualquer maneira o
modelo não é português, é de gosto inglês, um modelo para festas e jardins.
De resto, foi tal a
fixação sobre esta casa que quem consultar uma enciclopédia como a Luso-brasileira,
poderá aprender lá que o arquitecto de
Monserrate foi Inácio Oliveira Bernardes, o que é um disparate.
Também lá se diz outro, que foi em Monserrate que foi escrito o célebre
romance Vathek de
Beckford. Ora quando este viveu em Monserrate já tinha escrito o Vathek há
meia dúzia de anos, em Inglaterra naturalmente, pelo que este é um disparate
acronológico. Este erro pode vir de uma leitura errónea de um verso de Lord
Byron, no qual ele saúda Beckford, em Monserrate, como pai do Vathek. Certo
é que Devisme, Beckford e por arrastamento Lord Byron, são feitores do
romantismo sintrense.
Quanto à casa, quanto a Monserrate, podemos dizer que as terras pertenciam ao Hospital Real de Todos os Santos, que elas foram parar, parte delas, às mãos da família Mello e Castro, mais tarde Nova Goa (condes), e foi a ela que o negociante Devisme de Lisboa, trazido aqui sabe-se lá porquê ou por quem, talvez por um outro negociante de Lisboa, também cônsul da Holanda, Daniel Guilmeester , que está ligado a uma outra casa perto daqui, Seteais, e que, beneficiário do contrato do monopólio de diamantes e fazendo parte da pequena elite da economia pombalina, manteria com ele relações próximas e foi certamente ele que mostrou então a Devisme a bela serra de Sintra». In José Augusto França, Wikipédia.
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