quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Os Cavaleiros de Carneiro e a Herança da Cavalaria Vilã na Estremadura. Os casos de Arruda e de Alcanede. Luís Filipe Oliveira. «… no decurso do século XVIII, um dos mais antigos testemunhos continuava a fazê-las coincidir com os dias faustos das bodas e dos casamentos»


Ilustração de carloscarneiro
jdact


«A avaliar pelo caso da Arruda, essa tradição mais popular ter-se-á mantido para lá de finais da época medieval, estando apta a adquirir novas características e a adaptar-se a outras solicitações. Nessa perspectiva, ela poderia oferecer uma explicação diferente para o desenvolvimento das festas conhecidas como as Cavalhadas, que se tornaram frequentes desde meados do século XVI e que chegaram aos Açores e ao Brasil, sem necessidade de as olhar como uma paródia dos jogos equestres da aristocracia. No actual território brasileiro, onde as cavalhadas tinham muitas vezes lugar durante as festividades do Espírito Santo, vindo a ganhar um sabor aristocrático no decurso do século XVIII, um dos mais antigos testemunhos continuava a fazê-las coincidir com os dias faustos das bodas e dos casamentos. Mas essa é já uma outra história, por muito que nela ecoem alguns dos costumes herdados da antiga cavalaria vilã.

Apêndice Documental
Nº 2
[1434]. Arruda
Costumes da Vila de Arruda passados a escrito por ordem do Infante João, governador da Ordem de Santiago.
Titolo dos caualleiros de costume e o que ham de pagar Em cada hüu anno de cauallarjas e das liberdades que elles ham em suas vijdas e depois de suas mortes suas molheres e seus filhos.

jtem todo aquelle que for caualleiro de costume ha de pagar em cada hüu anno tres lyuras de moeda amtijga ou por cada hüa lyura aquello que el Rej manda em sua hordenaçom esto ha de pagar per todo o mes de mayo E sse per uemtura algüu caualleiro scusar de nom pagar ha de pagar per esta guisa que se adijante segue

jtem o que non quiser pagar em o dicto mes ho almoxerife deue de mandar ao porteiro da hordem que vaa lamçar hüa porta do que assy non quiser pagar fora do conçe [sic] e lamça lla em terra E o que for caualleiro non a ha de alçar a menos que non pague assy de noite como de dija em todo o dicto mes de mayo e alçamdo a aquelle a que assy for deRibada ante que pague aa de pagar de pena ao Senhorio seis mjll solidos E leixamdo o dicto caualleiro Jazer a dicta porta em terra por todo o mes de mayo non pagamdo a dicta cauallarja E passado o dicto mes de mayo o porteiro do Senhorjo ha de vemder primeiramente a dicta porta E sse per ella non for pagada a dicta cauallaria o dicto porteiro ha logo de thomar tamtos dos beens do dicto caualleiro os quaees logo ham de seer vemdidos E arrematados per que o Senhorjo aJa ha dicta cauallaria

Jtem todo aquelle  que for caualleiro e se quiser deçer e se quiser fazer esto pode fazer em todo o dicto mes de mayo e mais non E sse non quiser deçer de caualleiro elle senpre fica caualleiro posto que non pague a culpa non he em elle saluo no almoeriffe porque ho non manda penhorar e vemder e arrematar seus beens do caualleiro que non quer pagar

Jtem todo aquelle que for crelligo de hordeens meyores ou fidalgo de ljnhagem ou caualleiro d espora douradas estes non pagarom cauallarja nem oitauo E morrendo ho crelligo de hordeens meyores sua molher e sseus filhos ficam oytaueiros atee que os dictos seus filhos sejom de jdade comprida que se façam caualleiros se quiserem Ou se ha dicta sua molher se casar com caualleiro de costume ou com outro algüu que se faça caualleiro non pagara majs oitauo.

Jtem morremdo algüu caualleiro de costume sua molher e seus ffilhos Em mentres esteuerem em sua homrra non ham de pagar cauallaria nem oytauo

Jtem Se per vemtura algüu ffilho de caualleiro for de hidade que se case E sse quiser fazer caualleiro tal como este os homeens boons o faram caualleiro segumdo costume e elle pagara a cauallarja e non pagara par de framgõos ao alcaide segumdo os outros que nom som filhos de caualleiro ham de pagar

Jtem todo aquelle que se quiser fazer caualleiro ha de caualgar em çima de hüu cauallo e hijr peramte os Juizes e vereadores procurador e homeens boons do comçelho E o alcaide que he posto por o senhorio E o que quiser ser caualleiro ha de dizer assy aos dictos Juizes e homeens boons Eu quero ouyr e gouuyr dos vsos e foros e boons costumes e quero sser caualleiro E emtam diram os homeens boons e alcaide que ho am por caualleiro E sse nom ffor ffilho de caualleiro ha de pagar ao alcaide hüu par de framgõos e depois que os teuer ho alcaide emtom dira que lhe apraz de ser caualleiro E este que se assy faz caualleiro ha se de fazer per todo o mes de mayo E nom se fazemdo em todo o dicto mes fiqua oytaueiro.

titolo do rellego que a hordem them em a dicta vijlla e dos derreitos que a ella pertençem.

In Luís Filipe Oliveira, Os cavaleiros de carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura, Os casos de Arruda e de Alcanede, Companhia Portuguesa Editora, 1925, Medievalista, Instituto de Estudos Medievais, Universidade do Algarve, 2005.

Cortesia de U. do Algarve/JDACT