«Esta terá recorrido à
Santa Sé para fazer valer as suas pretensões, que nomeou os bispos de Astorga,
Burgos e Segóvia como árbitros da questão. É possível que esta contenda esteja
relacionada com a polémica que envolveu Afonso II e as suas irmãs. De qualquer
modo, o litígio com os hospitalários só conheceu o seu fim cerca de dez anos
mais tarde, em 1221, altura em que a própria D. Mafalda fez um acordo com o
prior Mendo Gonçalves que visava o fim do processo. Mas para o encerrar das animosidades
terão igualmente contribuído condições externas ao próprio objecto da contenda.
A situação político-militar tinha conhecido alterações profundas:
- em 1217, aproveitando a passagem de uma frota de cruzados que se dirigiam à Terra Santa, Afonso II tentou, com êxito, a reconquista de Alcácer do Sal, em que terão participado hospitalários ao lado das restantes forças cristãs.
Após o sucesso militar,
o rei confirmou o couto e privilégio outorgados por Afonso Henriques em 1140 e,
dois anos depois, resolveu a questão da aplicação do dinheiro entregue por
Sancho I à guarda dos hospitalários. Tudo aponta, portanto, para o facto de a
divergência entre os hospitalários e Afonso II, a ter existido, ter sido
pontual, a menos que o monarca também considerasse a Ordem do Hospital
usurpadora das propriedades régias, como aconteceu relativamente a outros
sectores da Igreja, nomeadamente ao arcebispo de Braga. De qualquer modo, em
1222, já depois das primeiras Inquirições, o Prior do Hospital confirma um
diploma régio, atestando assim a sua presença na Corte. No ano seguinte, 1223,
morria Afonso II, não sem antes ter determinado, no seu testamento, que o Prior
do Hospital e o Mestre do Templo fossem os responsáveis pela guarda de determinados
bens. Estava, pois, regularizada
a cordialidade entre a Ordem do Hospital e a monarquia portuguesa.
Para além das milícias
internacionais, os nossos primeiros monarcas contaram também com a colaboração
das ordens militares nascidas na Península Ibérica, nomeadamente Santiago e
Calatrava. No que respeita à primeira destas Ordens, há notícia da presença do
seu mestre junto da corte de Afonso Henriques dois anos após a sua fundação no
reino de Leão (1172). É nesta altura que Afonso Henriques doa à Ordem de
Santiago em Portugal, nas pessoas do seu mestre e do conde Rodrigo Álvares
Sárria, sobrinho do monarca, e de todos os seus sucessores, a vila de Arruda
com seus termos e direitos reais, e, alguns meses mais tarde, o castelo de
Monsanto, situado perto de Idanha. Estas doações revestem-se da maior
importância, sobretudo se as associarmos à do castelo de Abrantes, ocorrida um
ano mais tarde, já que visavam fazer frente, na linha do Tejo, a um avanço
muçulmano, então eminente. É importante, contudo, referir que as liberalidades
do monarca apresentam (claramente num caso, implicitamente nos outros) algumas
condições que parecem querer demonstrar que o Conquistador só entregava
aos espatários estas praças, assim como Almada e Alcácer, porque as
alternativas que possuía, frente a uma pressão almoada cada vez mais forte, se limitavam à Ordem do Templo,
uma vez que, como vimos, por esta altura os hospitalários ainda só se
dedicariam à assistência aos doentes e peregrinos. Na doação de Monsanto exige-se
que o comendador que fosse colocado no comando da fortaleza deveria ser
português, isto é, não poderia ser de alterius
terrae e deveria estar sempre disponível para o serviço, em tempo de
paz e de guerra, a Afonso Henriques e a todos seus descendentes. Ou seja, de
uma forma muito clara, o monarca aceitava uma Ordem oriunda de um reino
estranho, mas exigia a lealdade da fortaleza.
Quando em 1179 Sancho é
derrotado por Fernando II de Leão, que contou com a ajuda dos santiaguistas,
Afonso Henriques confirma que as cautelas que haviam condicionado a doação tinham
razão de existir. Dito por outras palavras, o
rei não tinha a certeza da hierarquia de lealdades da Ordem de Santiago face
aos diferentes monarcas peninsulares. Estão ainda por apurar as razões
que levaram a Ordem a trair o monarca português. Mas não
andaremos longe da verdade se pensarmos que os espatários portugueses a isso
terão sido obrigados pelos congéneres leoneses, tanto mais que o conde Rodrigo foi
um dos outorgantes nas primeiras doações régias à Ordem de Santiago e, como
tal, garante da fidelidade da sua milícia, se deve ter desligado da milícia santiguista,
surgindo em 1180 ligado à fundação das Ordem
de Santa Maria de Monte Gaudio.
Como não conhecemos outros
diplomas outorgados por Afonso Henriques em benefício de Santiago até à sua
morte, e dado que os espatários só possuíam as referidas praças de iure, isto é, não de uma forma efectiva, é de supor que a Ordem viu
muito reduzidas as suas possessões em território actualmente português: Alcácer,
Almada e Arruda só voltarão à posse de facto dos espatários após a defesa
de Santarém em 1184, na qual estes cavaleiros também participaram.
Um novo avanço das tropas muçulmanas ocorrido em 1191 provocou a
queda de Alcácer, Palmela e Almada, tendo os castelos destas duas últimas
localidades sido destruídos. Seguiu-se a perda, por parte dos cristãos, de Silves, que entretanto havia sido
reconquistada com auxílio dos Cruzados». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT