NOTA: De acordo com o original
(continuação)
Primeira Gonferencia. 17 de maio de
1891
«Proclamara-a nas cortes
de Coimbra de 1385, elevando ao throno João, Mestre de Aviz, filho bastardo de Pedro
I. Não tinha mais inimigos a combater, carecia, entretanto, de empregar sua actividade
e aspirações audaciosas em qualquer empreza de vulto. Desmembrado no principio do
século XII do Condado da Galiza, convertido em reino independente, alargara-se
pela conquista sobre terras de Árabes e Mouros até o sul. Mais longe ia-lhe a ambição,
e, pois, adiantou para o mar suas energias e affoitezas. Não tivera ao principio
marinha, e para se apoderar dos territórios meridionais precisou do auxilio das
armadas do Norte, que se dirigiam ás Cruzadas. Do governo do monarca Diniz em diante
aprendera, porém, com os Genovezes a atirar-se ao oceano.
Não o convidava elle com seus murmúrios á lançar-se-lhe nos braços?
Feliz como rei, afortunado
como pai, foi João I. Seus cinco filhos honraram-lhe cavalheirosamente a familia
e a pátria, já pelos talentos e qualidades, já pela bravura do braço e ardentia
do animo. Duarte foi rei e rei preclaro. O infante Pedro, Duque de Coimbra, illustrado
em todos os conhecimentos scientificos e litterarios da época, animo prudente, superior,
e esforçado cavalheiro, ganhou experiência em viagens pela Europa e Ásia, e era
por isso chamado o Infante das sete partidas do mundo. O Henrique de Vizeu combatera
em Ceuta como um leão, e entregava-se aos estudos cosmographicos.
O infante Fernando
morreu prisioneiro de Mouros em Fez, e seu irmão João ainda moço acabou a vida,
quando ambos promettiam egualar nos méritos e qualidades a seus irmãos que tanto
se haviam ennobrecido.
De Mouros estava livre Portugal;
nem um pisava em seu solo que não vivesse em captiveiro: tentou ao rei e aos principes
uma grande facção, atravessar os mares que separam a Africa da Europa, levar a guerra
aos territórios e domínios em que Mouros se achavam, e expellil-os também daquellas
regiões, como o haviam sido de Portugal. Dito e feito. Ceuta, a mais rica e commerciante
cidade de Marrocos, foi atacada e subjugada em 1415 pelas armas de João I: teve
de arriar o crescente de Mahomet e ornar-se com a cruz santíssima de Christo: e
foi o Infante Henrique, seu principal vencedor, nomeado para governar a
conquista verificada.
Teve então Henrique ensejo
de aprender a língua árabe, ler seus livros, estudar seus monumentos scientificos,
ouvir seus sábios, seus cosmographos, e muito lucrou e aprendeu, porque eram ainda
os Árabes o povo mais illustrado da época. Terminado seu governo e restituído á
pátria, um pensamento, um intuito se lhe fixou no espirito, - adeantar - estender
os conhecimentos cosmographicos e geográficos - descobrir terras de que já haviam
faltado os antigos Gregos e Romanos, e que então se não conheciam mais - devassar
os segredos dos mares, opulentando com novos domínios sua pátria - dilatar e propagar
a religião christã, e desenvolver emfim o commercio com novas mercadorias e escambos.
Na ponta meridional de Portugal ergue-se o Cabo de S. Vicente: descansam alli uns penedios açoutados pelos ventos, batidos de continuo pelas ondas dos mares, e que se prestavam a ser um ponto apropriado para observações, estudos scientificos, e pratica de navegação. Para esse sitio agreste recolheu-se o Infante e em Sagres estabeleceu moradia, e escola de cosmographos e mareantes. Attrahiu sábios Malhorquinos, Allemães, Italianos, Judeus, Árabes, Portuguezes. Dia e noite, aos gemidos e marulhar das vagas e aos furores das tempestades, estudavam-se livros e mappas, e perscrutavam-se os mysterios das estrellas. Tudo quanto escreveram os antigos, quanto sabiam os Árabes, quanto ensinavam os viajantes europeus, examinava-se, disculia-se, tirava-se a limpo. O duque de Coimbra fizera-lhe presente de exemplares manuscriptos das viagens do veneziano Marco Paulo (?), de Mandeville e de Conti, que faltavam das opulências e grandezas das índias. Chamava-se assim então todo o continente da Ásia, inclusive a China denominada Cathay, (Cataio) e o Japão Cypango». In J. M. Pereira da Silva, Conferências Públicas, propriedade do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro e Academia Real de Sciencias de Lisboa, Brazil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, Library University of California, 1892.
continua
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