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«Toda esta euforia que abarcou Portugal e conduziu os portugueses até
ao Norte de África numa aventura irresponsável liderada por um rei ensandecido
por lendas de cavalaria, terminou tragicamente nas areias de Alcácer Quibir. Aí
se perdeu a batalha, desapareceu o rei, e colapsou o reino. O Destino não poupou
ao Poeta o ter de assistir a estas calamidades, e deste modo se criou a lenda de
ele ter dito, à hora da morte: Ao menos, morro com a Pátria.
Quando Filipe II se sentou finalmente no trono de Portugal, rodeado
solicitamente por uma clientela de oportunistas portugueses, já Camões jazia em campa obscura na igreja
de Santa Ana, em Lisboa, sobre a qual colocaram mais tarde uma lápide com um
epitáfio triste:
- Aqui jaz Luís de Camões, príncipe dos Poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente, e assim morreu.
Finalmente a justiça possível foi feita. Os seus restos jazem hoje na
nave do Mosteiro dos Jerónimos, por se tratar de um dos maiores portugueses de
sempre, enquanto a sua obra é considerada como aquilo que de mais elevado
existe no património cultural da Civilização Ocidental. Quanto ao poema,
é sempre bom lembrar que os Lusíadas
são incontestavelmente uma obra-prima da literatura mundial, e estão a par do
melhor que se fez até hoje em poesia épica. Se os Lusíadas tivessem sido escritos numa língua mais popularizada que o
português tem sido ao longo dos tempos, teríamos os seus versos apreciados por
todo o mundo de cultura ocidental. Seriam hoje admirados e lidos como as obras
de Homero, Virgílio, Shakespeare e Goethe, poetas pares
de Camões.
Tal não sucede. A obra poética de Camões
nem sequer é conhecida pelos portugueses como deveria ser. O analfabetismo crónico,
a pouca promoção da cultura literária que se pratica no nosso país e o parco
empenhamento de muitos que ao longo do tempo se deviam esforçar por divulgar Camões entre nós, são as causas deste
alheamento relativamente ao nosso maior valor literário. Como os Lusíadas foram escritos em português, a
sua apreciação por leitores estrangeiros é difícil, daí só os eruditos se
debruçarem sobre o seu texto.
Mestre Aquilino Ribeiro, citando Faria de Sousa a este respeito,
repete:
- … escrever em português é letra morta, que não seja para portugueses. E a seguir comenta: A língua portuguesa tem sido um mausoléu sumptuoso. O que lá caiu, lá jaz para a eternidade.
O episódio que destacamos neste livro vem inserido no Canto III do poema,
precisamente na descrição que Paulo da Gama (irmão de Vasco da Crama e um dos
capitães da sua armada) faz do Mundo Ocidental, do nosso País e da sua
História, quando conversa com o rei de Melinde, um chefe africano que reinava
numa cidade próxima de Zanzibar, na costa oriental de África. O navegador
português terá realmente conversado, de passagem, com este potentado indígena,
na sua rota a caminho da Índia, e esse encontro serviu de pretexto a Camões para colocar Paulo da Gama a
relatar ao interessado soberano os mais relevantes acontecimentos históricos
portugueses.
Fonte dos Amores
Entre todos os acontecimentos narrados pelo navegador, o episódio aqui
referido é sem dúvida dos mais belos e tocantes trechos poéticos escritos na
língua portuguesa. Luís de Camões
conhecia os factos através da tradição popular, teria lido Crónicas e
outra documentação, e a sua grande alma de poeta apreendera a enorme dimensão
do drama daqueles amores reais, drama cheio de sombras entre o fogo das
paixões, onde o sangue e a vingança tingem toda a trama da tragédia. Num lance
de inspiração, tomou a história desses amores fatais e transpô-los para o
poema, fazendo deste episódio um dos mais belos monumentos da nossa literatura». In
Luís de Camões, Linda Inês, O Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas, História de um
Amor Fatídico, Introdução e Paráfrase de Jorge Tavares, Mel Editores, 2009,
ISBN 978-989-635-069-7.
Cortesia de Mel Editores/JDACT