«A assembleia, reunida em 1253 em Leiria, foi repetida em 1258 pelo rei
Dinis, desta vez em Lisboa. Entre 1300 e 1500, Portugal assistiu então a uma
luta complexa entre as tendências centralistas inerentes à monarquia e a resistência
dos grupos privilegiados:
- a Igreja, as Ordens Militares e a nobreza.
Quanto à primeira, a Coroa e a Igreja tinham-se já envolvido numa amarga
disputa no século xXII. Tinham já ocorrido fortes desavenças entre aIgreja e o
Estado durante o reinado de Afonso II, e Sancho II (r. 1223-46) foi deposto
pelo papa, alegadamente devido à sua incapacidade e fraqueza. O seu irmão e sucessor
Afonso III também entrou em conflitos com os arcebispos e outros elementos do
alto clero, e tal prosseguiu durante o reinado de Dinis I. Mas o poder moral da
Igreja e do clero, quer sobre as gentes citadinas, quer sobre o povo rural era
considerável; e mesmo que detivessem propriedades consideráveis, estas bases
económicas do seu poder não podiam ser atacadas frontalmente. O verdadeiro
impulso do avanço da monarquia para a centralização era assim não dirigido para
a Igreja mas para a nobreza terra-tenente. Em parte, a Coroa tentava
estabilizar, limitar e definir este grupo: uma lei de Dinis I concedia ao rei o
direito de, por exemplo, admitir novos membros na nobreza ao fazê-los
cavaleiros.
Só após uma longa disputa é que se constituiu no século XV uma hierarquia
definida de títulos. Em parte, isto parece ter sido uma imitação do que
aconteceu em Inglaterra, e resultou provavelmente da influência da rainha D.
Filipa de Lencastre, de origem inglesa, da Casa de Lencaster. Por ordem
decrescente, a grande nobreza foi classificada nas categorias de duque, marquês, conde, visconde e barão.
Estes homens, autorizados a usar o título de Dom (do latim dominus)
formavam talvez um décimo do total da nobreza. Descendiam dos antigos ricos-homens,
mesmo nem sempre sendo seus descendentes directos, pois também existiram no
grupo alguns arrivistas, nos séculos XIV e XV. Simultaneamente, foi criada
durante o reinado de Afonso V uma segunda hierarquia de nobres, que detinham
posições que não eram necessariamente hereditárias. O objectivo de tal medida
era evidentemente o de fortalecer o papel da Coroa, pois este último grupo era
muito mais dependente da Coroa do que o primeiro.
Uma outra divisão paralela tomou igualmente forma ao longo do século XV,
entre uma nobreza territorial terra-tenente e a chamada nobreza de corte ou nobreza
de serviços. A palavra fidalgo, equivalente ao castelhano hidalgo
e em voga desde os finais do século XIII, foi inicialmente utilizada para
designar uma classe alargada de pessoas, muitas vezes não mais do que pela
aristocracia rural em ascensão, mas no século XV era utilizada conjuntamente
com outros títulos: cavaleiros-fidalgos, escudeiros-fidalgos, etc. É na
nobreza de serviços, abrangendo quer os nobres que frequentavam de facto a
corte, quer os que representavam localmente o rei, que iremos encontrar mais tarde
o gume da expansão portuguesa na Ásia.
Quanto às Ordens Militares, a Coroa utilizou um conjunto de tácticas mais
complexo. O Cisma do Papado,
onde Portugal seguiu o papa de Roma,
e Castela o de Avinhão, permitiu aos
ramos portugueses das Ordens separarem-se dos respectivos centros castelhanos
de origem. No caso da Ordem de Cristo, por já ser exclusivamente portuguesa,
isto não teve qualquer significado. Porém, as Ordens de Avis e Santiago
tornaram-se cada vez mais nacionais; os Mestrados destas
Ordens foram entregues a membros da família real, como uma forma de os fazer
reverter a favor da Coroa. Esta estratégia foi primeiramente levada a cabo pela
Casa
de Avis, que reinou de 1385 a 1580. O fundador desta dinastia, João I,
chegou ao trono como Mestre de Avis;
o seu filho, o infante Henrique, era Mestre
da Ordem de Cristo, o seu irmão, o infante João, era Mestre de Avis, e o irmão mais
novo, Fernando, de Santiago.
Mais tarde, o rei Manuel I conseguiu que o papa o nomeasse Mestre destas três Ordens,
o que se manteve durante o reinado do seu filho João III.
Para além do clero e da nobreza, a massa dos portugueses dos séculos XIV e XV
era designada simplesmente pelo nome de povo. Os mais notáveis de entre
estes, os cidadãos ou homens-bons, eram também por vezes
apelidados de cavaleiros-vilãos,
embora isto não os incluísse na nobreza. Eram membros das classes serviçais,
mesteres e mercadores, homens que na sua maior parte apoiaram João I aquando da
sua luta pelo trono em 1383-1385». In Sanjay Subrahmanyam, O Império
Asiático Português, 1500-1700, Uma História Política e Económica, Difel,
Memória e Sociedade, 1995, Fundação Oriente, ISBN 972-29-0328-4.
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