quinta-feira, 7 de março de 2013

Pedras Que Falam. Campos Júnior. «Que lindas árvores em volta da aldeia e por aqueles campos fora! Umas, as mais pequeninas, todas em flor mal chegava o mês de Abril e pelos dias calmosos de Julho já a vergarem ao peso dos frutos, num encanto de cores; outras mais altas, mais corpulentas, algumas delas já velhinhas, a darem sombra»

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A Misteriosa Protectora
«Era pequena e linda aquela aldeia. As casas a branquejarem muito pela encosta do monte, muito à vontade se avistavam de longe e dava gosto vê-las cá de baixo, das terras planas, todas cobertas de trigais e de flores. Abençoado torrão chamavam os velhos àquela terra que dava pão e linho e era consolo dos olhos nos dias carinhosos da Primavera, com o céu todo azul e o sol como se fosse de oiro. Dizia-se que era aquele o mais belo pedaço dos campos de Coimbra, por onde correm cantando as águas do Mondego, que passa por ser o mais formoso rio de quantos nascem em terras de Portugal. As águas dos rios também têm os seus cantares como as águas das fontes. O caso está em as saber ouvir e entender.
E então, as árvores? Que lindas árvores em volta da aldeia e por aqueles campos fora! Umas, as mais pequeninas, todas em flor mal chegava o mês de Abril e pelos dias calmosos de Julho já a vergarem ao peso dos frutos, num encanto de cores; outras mais altas, mais corpulentas, algumas delas já velhinhas, a darem sombra e frescura aos encalmados, agasalho e carinho, como de mães, aos ninhos do passaredo, que tinha vindo com a Primavera, como se fosse filho dessa linda estação e irmão das flores. Nas amorosas madrugadas de Abril a Julho como eles todos cantavam a sua alvorada, cada um a seu modo, antes de irem para a labutação da vida, pois que também os pássaros têm a sua obrigação, a sua tarefa, o seu encargo!
Os que têm filhos pequenitos, mais que os outros e sempre no receio, e na amargura de que lhos roubem e lhes desfaçam os ninhos, as suas casas pequeninas, que eles próprios fizeram, Deus sabe com que trabalho e canseiras e com que risco da vida! Mas os melhores cantores, toda a gente o dizia, eram os que tinham pousada nos choupos e salgueiros das margens do Mondego e mais aqueles que viviam em dois grandes freixos antigos de um largozito à entrada da aldeia, muito avizinhados da casa da Escola. Era um regalo ouvi-los. Cantavam docemente a suave alegria de viver e cada madrugada era para eles uma nova aleluia.
Na aldeia a casa maior era a da escola e o mais estimado dos seus moradores, a par do pároco, era o professor primário. Tinha ido para lá, havia três anos, para substituir o antigo mestre de primeiras letras, um velhito mirrado, que passara quarenta anos a ensinar rapazes e afinal se aposentara e por ali se deixou ficar à espera da morte como ele próprio costumava dizer. Mas de onde viera e quem vinha a ser aquele professor que a gente da aldeia e dos arredores tinha na mais subida estima e ouvia com enternecida devoção e profundo respeito, como se ele fosse o mais benfazejo dos homens, a maior e mais rica pessoa do concelho?
Ninguém o sabia naqueles sítios e ninguém também se dera ao cuidado de o indagar. Homem novo ainda, todos viam que era. Trinta anos, se tantos, mas uns trinta anos entristecidos por qualquer dor de alma, dessas que ficam para sempre e a ninguém se dizem. Vivia com a mãe, uma velhinha de cabelos muito brancos e olhos pisados, como de quem muito houvesse chorado e sofrido, e de tal modo desmaiadita de rosto que parecia uma santa de marfim. E era tão amorável e carinhosa que os mais novitos rapazes da escola tanto lhe queriam como se fosse mãe de todos eles.


Pouco importava, porém, saber donde viera o professor João Alberto. O que todos viam e sabiam era que, ao fim de três meses, a escola ,era outra, tinha muito mais alunos e até a própria casa nem sequer parecia a mesma! Da sua tristeza, por alguma dor de alma que não findava, todos tinham dó mas ninguém se aventurava a indagar qual tamanha má fortuna haveria sido a sua para assim lhe pôr nos olhos e nas faces tal lutuosa sombra de pesares». In Campos Júnior, Pedras Que Falam, romance histórico, edição Romano Torres, Lisboa, 1953.

Cortesia de R. Torres/JDACT