Não sei se amo o Director da
Ópera de Viena, o dirigente famoso ou o homem chamado Gustav Mahler. In diário de Alma Schindler.
«Além de não apreciar a música de Mahler,
Alma recebeu uma lista de
restrições, assim que se casou com Gustav,
em1902.
A que mais lhe fez sofrer foi a proibição categórica de continuar a compor.
Para entendermos o efeito desta medida, Alma
vinha compondo há alguns anos, e muitas de suas canções não caíram no
esquecimento até os dias de hoje. Mahler
tinha um péssimo conceito da arte de sua nova esposa. Ao voltarem da lua de
mel, foram viver numa casa de campo em Maiernigg, frente ao lago Wörth. Lá o
compositor tinha a paz necessária para compor suas sinfonias. Para Alma restavam a solidão e os afazeres
domésticos. Seu diário revela: Eu
perdi todos meus amigos e amigas e hoje tenho um marido que não me compreende.
No Outono de 1909 Mahler viajou para
Nova Iorque pela terceira vez, para cumprir mais uma temporada no Metropolitan
Opera House. Ao retornar à Viena, seguindo orientação médica, Mahler mandou sua jovem esposa para uma
temporada no SPA de Tobel. Neste local Alma
foi encontrar a calma e a cura de suas aflições, não nas fontes termais, mas na
figura de um belo e jovem arquitecto, Walter Gropius. Anos mais tarde ele
se tornaria famoso ao fundar a Bauhaus, uma das mais
conceituadas academias de arte do mundo.
Enquanto Alma passava as noites nos braços de Gropius, Mahler preocupava-se com o estado
emocional e os tormentos enfrentados por sua esposa. Recentemente eles tinham
perdido a filha mais velha, Maria Anna,
morta após um surto de difteria. Alma
lhe mandava notícias do SPA. Suas mensagens eram curtas e com o passar dos dias
começaram a escassear. Preocupado, Mahler
escreveu: Você está ocultando
algo? Acredito estar sempre lendo algo diferente nas entrelinhas.
Alma terminou seu período de tratamento e retornou para a casa do
marido. Recebia inúmeras cartas de Gropius, onde ele pedia que
abandonasse tudo para viverem juntos. E de repente, aconteceu algo inesperado.
Mais uma vez ele assinou uma apaixonada carta, pedindo que sua amada tomasse
uma posição firme e deixasse Mahler.
Ao invés de dirigir a correspondência para Alma,
ele colocou como destinatário o Herr Direktor Gustav Mahler. Muitos apontam essa troca de nomes como um acto
falho, mas na realidade a intenção de Gropius era a de acelerar o
rompimento do casal e assim obter uma decisão a seu favor. Ao ler a carta, Mahler chegou à conclusão de que este
era o resultado de anos de repressão aos impulsos e sentimentos de sua esposa,
sempre tratada como uma dona de casa. O compositor havia anulado toda a
individualidade de uma mulher que vivia subjugada. Mahler era cego a tudo que se passava ao seu redor, pois havia se
entregue de corpo e alma a sua arte. Alma,
gradualmente foi entrando em desespero, devido à maneira como o marido a
tratava. Ela definiu sua situação com as seguintes palavras: Eu estou casada com uma abstração, não com
um ser humano.
Após meditar sobre o conteúdo da
carta e suas implicações, Mahler
agiu conforme seu caráter que demonstrava ser um homem de total transparência,
directo, sem rodeios. Foi procurar Gropius e manteve com ele uma longa
conversa. Logo após, reuniu-se com Alma
e colocou-a a par dos acontecimentos. Ele sempre manteve a calma, apesar de
internamente estar sofrendo com a iminência de perder sua bela e jovem esposa.
No final do encontro dirigiu para ela estas palavras: O que você resolver fazer, faça-o da maneira mais correta possível.
Você decide. Alma rompeu
com Gropius
e ficou com Mahler. Este procurou
dar um novo rumo ao seu comportamento tirânico. Antes ele tomava as decisões. A
partir desse evento ele passou a consultar e decidir em conjunto com a esposa.
Começou a interessar-se pelas composições de Alma, as quais ele havia totalmente ignorado no início de sua vida
matrimonial.
Mesmo assim, Mahler entrou em profunda depressão ante a perspectiva de ser
abandonado por sua mulher a quem ele voltara a amar com toda a intensidade. Foi
nesta ocasião que ele decidiu procurar Sigmund Freud, na ocasião em férias
na Holanda. Existem três diferentes versões a respeito deste memorável encontro
entre estes dois gênios. A primeira se encontra nos apontamentos de Ernest
Jones, biógrafo de Freud. A segunda está numa carta que
Freud
escreveu ao psicanalista Theodor Reik. A terceira é um resumo do
encontro, escrito por Marie Bonaparte, aluna do Professor Freud.
Como o texto de Jones é quase semelhante ao conteúdo da carta recebida por Reik
e os apontamentos da estudante giram mais em torno da música e não tem muita
consistência, deixaremos para os leitores o texto da carta de Freud:
Eu analisei Mahler durante uma tarde no ano de 1910, em Leyden. Baseado
em seu relato, creio termos chegado a muitas conclusões naquele momento. A
visita pareceu-me necessária, pois sua mulher, naquela época, estava revoltada.
Seu esposo não tinha mais libido por ela. Numa interessante exploração pela
história de sua vida nós descobrimos suas condições pessoais para o amor,
especialmente seu complexo de Santa Maria (fixação materna).
Eu tive muitas oportunidades de admirar a capacidade de compreensão
psicológica deste compositor tão genial. A princípio, nenhum raio de luz
conseguiu iluminar a fachada que ocultava sua neurose obsessiva. Seria como
tentar cavar com uma vara, uma passagem através dos alicerces de um misterioso
edifício.
Depois de horas de conversação, Freud obteve êxito em acalmar Mahler. Este se preocupava com a grande
diferença de idade entre os dois, mas sob o ponto de vista do analista, esta
característica o fazia muito atrativo para uma jovem, bela e culta mulher.
Alma amava o pai, logo só poderia ligar-se a um homem que
oferecesse a ela a figura do pai substituto. Por
sua vez, Mahler estava procurando
uma mulher com a imagem de sua amargurada e sofrida mãe. O encontro de Freud
com Mahler trouxe alívio ao compositor e permitiu que ele levasse uma vida
próxima do normal. As mudanças de Gustav em relação à Alma foram radicais. Constantemente ele demonstrava a ela provas de
seu amor.
Uma das anotações em seu diário: Estou experimentando momentos de alegria
que jamais considerei possíveis. Apesar de tudo que aconteceu, Gustav me
proporciona um amor sem fronteiras. Eu sou a vida para ele, e me transformarei
em sua morte, se partir.
Alma Mahler permaneceu fiel companheira do esposo, até morte do
mesmo. Decorrido o período convencional de luto, ela casou-se com Walter
Gropius».
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