quarta-feira, 3 de julho de 2013

A Revolução de 1383. Tentativa de caracterização. António Borges Coelho. «Os novos ‘coutos’ onde implementam, além da caça, a criação de gado e a produção agrícola estão muito ligados a estes burgueses-cavaleiros»

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Divergência e Diálogo
«(…) Em 1964, ainda no livro Raízes da Expansão Portuguesa, usamos a expressão nova nobreza. Esta expressão abarca uma dupla realidade: a dos burgueses-cavaleiros, isto é, a dos cidadãos que se nobilitaram, que juridicamente entraram no grupo minoritário dos privilegiados, portanto dos que nada pagam e estão como que fora das obrigações sociais, pois mesmo quando defendem fazem-se pagar enquanto os vilãos defendem obrigatoriamente pagando; e a da grande nobreza reorganizada por trás da casa senhorial de Nuno Álvares Pereira e das casas dos Infantes.
Os burgueses-cavaleiros continuam a auferir a riqueza da produção agrícola, do comércio, até das lojas abertas onde pontificam os seus feitores; e novos réditos, agora provenientes do mundo senhorial. Os novos coutos onde implementam, além da caça, a criação de gado e a produção agrícola estão muito ligados a estes burgueses-cavaleiros.
Não é inteiramente por acaso que José Matoso, por exemplo, usou no estudo atrás citado a expressão fidalgo mercador, (a expressão e o conceito, criados por Vitorino Magalhães Godinho, era, cavaleiro-burguês). O olhar de quem usa a expressão fidalgo-mercador vem de cima para baixo. Por mim prefiro olhar de baixo para cima. O panorama é mais rico. Por simpatia pelos debaixo? Cientificamente, sabe-se que é de baixo, que é da terra que tudo nasce e germina.
Usar em História Social o conceito nova nobreza é usar, portanto, um conceito ambíguo, porquanto abraça no mesmo leito os amigos-inimigos, classes de interesses que se aproximam e se contradizem. Quando se usa, tem de se ter em conta esta complexidade. O conceito simples é o de nobreza feudal, a tal classe que vive essencialmente da renda da terra, a classe que detém os meios de produção e limitadamente o produtor. Assinale-se o conceito de nobreza de João de Barros, nas Décadas da Ásia, muito próximo do conteúdo que assinalámos atrás para nova nobreza mas com uma característica específica:
  • Quando nomeamos algum capitão, se é homem fidalgo e tão conhecido por sua nobreza e criação na casa del-rei, logo em falando nele a primeira vez dizemos cujo filho é, sem mais tornar a repetir seu pai. E se é homem fidalgo de muitos que há no reino, destes tais não podemos dar tanta notícia porque não vieram ao lugar onde se os homens habilitam em honra e nome que é na casa del-rei.
Nobre é, portanto e no essencial, para João de Barros, o homem que se nobilita no exercício do Poder, no contacto com o poder central, o poder real. Mas Armando Castro não só afirma que a nobreza feudal saiu reforçada como declara (contestando implicitamente Fernão Lopes) que só alguns legistas subiram à ordem da nobreza. Serviu-se para isso de dois gráficos que podem provar precisamente o contrário do que afirma o autor de A Evolução Económica de Portugal dos Séculos XII a XV.
Senão, vejamos. O quadro III que Armando Castro intitula A grande fidalguia após a revolução segundo a importância do seu poder dominial entre 1384 e os começos do século XV pode apresentar a seguinte configuração:

Nome. Nuno Álvares Pereira. O rei de Castela considera-o um fidalgo de 4 rocins.
Bens. A sua casa nasce da morte de três condados: o de Ourém, o de Barcelos e o de Arraiolos. Aglutina ainda outros bens da coroa. Um pequeno nobre torna-se o senhor da maior casa senhorial do país.
Nome. Afonso, filho bastardo de João I.
Bens. Trata-se da mesma casa senhorial.
Nome. Gonçalo Teles, irmão de Leonor Teles.
Bens. O próprio Armando Castro o considera um dos grandes eliminados pela revolução. Apesar disso, soma-o aos grandes da nobreza pós-revolução.
Nome. Infante Pedro.
Bens. Ducado de Coimbra. Lembro que os primeiros bens fundiários deste infante foram comprados com dinheiro levantado em cortes e administrado por dois representantes da burguesia urbana. E o ducado só nasce em 1415.
Nome. Infante Henrique.
Bens. Ducado de Viseu. Leia-se o que escrevemos para o Infante Pedro.
Nome. João Gomes da Silva.
Bens. Entre os bens que recebe contam-se bens confiscados em Coimbra a Lopo Afonso e bens confiscados a Aires Gomes Silva em Vagos, Guimarães e Entre Douro e Minho. Este potentado engorda pelo menos com a morte de dois magnates.
Nome. Lopo Vasques Cunha.
Bens. Recebe a terra da Maia confiscada a Afonso Gomes Silva.
Nome. Rui Vasques Castelo Branco.
Bens. Elege o Mestre em Coimbra. Fernão Lopes exclui-o do lote dos fidalgos.
Nome. Doutor Gil do Sem e filhos: Pedro, Gil do Sem e doutor Martim do Sem.
Bens. O Martim, além de negociador do tratado de paz com Castela, foi tesoureiro-mor de João I. Está do lado da mercancia. Uma irmã de Martim casa com um Álvares Almeida, alcaide-mor de Torres Novas, que recebeu bens confiscados a João Fernandes Pacheco.
Etc.

In António Borges Coelho, A Revolução de 1383, Editorial Caminho, Colecção Universitária, 1984.

Cortesia da Caminho/JDACT