«(…) No dia 29 de Dezembro de 1440,
a rainha abandonou a fortaleza do Crato com a filha, ainda criança de peito,
seguida pela sua pequena corte de fidelíssimos servidores. D. Leonor dirigiu-se
para Arronches, localidade próxima da fronteira com Castela, e dali entrou no
seu reino de origem, em direcção a Albuquerque, outrora feudo da sua mãe e naquele
momento em poder do irmão, o infante Enrique de Aragão. A infanta Joana de
Portugal entrou assim como exilada no reino ao qual regressaria quinze anos
mais tarde como rainha consorte. O cronista Alonso de Palencia, coerente com
os fins difamatórios da crónica que começaria a escrever no final da vida
de D. Joana, não deixaria de se referir à grande influência que as rivalidades
da rainha D. Leonor com o cunhado Pedro, e a sua fuga de Portugal, tiveram na
formação da personalidade da sua filha mais nova. Na primeira parte daquela
obra, chegaria a escrever que o duque de Coimbra detestava D. Leonor e que por
inveja procurara uma maneira de a expulsar, ou
porque ansiasse pela honra para si próprio, ou por receio da debilidade
feminina, que comummente adopta ou sugere maus conselhos, ou porque se ofendera
com o rumor popular de uma relação desonesta entre a sua cunhada e o arcebispo
de Lisboa. Esta última acusação não só não tinha bases documentais como foi
inclusivamente desmentida por um testemunho do próprio regente.
A Rainha Triste
D. Leonor de Portugal não permaneceu muito tempo em Albuquerque. Tinha
pressa em falar com o seu cunhado, o rei de Castela, para lhe pedir que a
ajudasse a resolver os seus problemas em Portugal. No entanto, o momento não
era o mais propício. Embora Alvaro de Luna continuasse fora da corte, as
relações entre o monarca e a mulher, a rainha D. María (principal
instigadora contra o valido), continuavam muito más, como o tinham sido
praticamente desde o dia do casamento. Algo que não favorecia certamente a causa
da rainha exilada, que pensara fazer-se valer da irmã como mediadora. Apesar
disso, Leonor, com a sua filha pequena, abandonou Albuquerque rumo a Arévalo,
feudo de María, para aí falar com a irmã e o irmão, o infante Juan de Aragão,
rei consorte de Navarra, principal aliado da rainha castelhana na recente
campanha contra o valido Álvaro. Pouco depois da chegada de Leonor, o consorte
navarro denunciou num manifesto de agravos o que ele e a liga de nobres
opositores do rei castelhano consideravam ser a principal causa das desavenças
conjugais entre esse monarca e a sua esposa, e que não era outra que não a
intromissão do condestável na vida íntima dos reis. Um documento que convertia
as relações sexuais do casal real castelhano em argumento de discussão política
e pública.
D. Leonor não se deixou arrastar pelo rancor que dominava a irmã e,
poucos dias depois, foi com a filha para Ledesma, onde se encontrava o seu cunhado.
Ao não obter do monarca sequer uma promessa de ajuda, decidiu mudar-se para
Zamora, ali próximo, onde se viu obrigada a empenhar parte das valiosas jóias
que herdara da mãe. Não seria essa a única frustração que a progenitora de Joana
teria de enfrentar naquela altura. Estava há muito pouco tempo na vila de
Zamora quando recebeu uma mensagem do conde de Barcelos, a quem reclamara a
ajuda prometida antes de fugir para o Crato. O conde respondeu que nesse momento
lhe era impossível prestá-la, impedido pela presença das tropas do regente nas
proximidades dos seus feudos. Leonor não teve outra alternativa que não a de
adiar a sua entrada em armas em Portugal e recorrer de novo à hospitalidade da
irmã. De acordo com o que contaria trinta anos mais tarde o cronista Palencia,
referindo-se à vida da rainha D. Leonor neste período, veio aquela com tristeza e acompanhada da sua tenra filha Joana ao
reino de Castela, procurando ao lado da sua querida irmã e dos caros irmãos um
lenitivo para a amargura do seu desterro. A companhia de Leonor foi mui o grata
à sua irmã, a rainha María de Castilla, atormentada naquela ocasião pelas suas
próprias angústias. Funesta foi, no entanto, a vinda de Leonor, funesto também
o seu acolhimento e funesta por fim a criação da infanta Joana no reino de
Castela». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente
Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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