quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «A companhia de Leonor foi mui o grata à sua irmã, a rainha María de Castilla, atormentada naquela ocasião pelas suas próprias angústias. Funesta foi, no entanto, a vinda de Leonor, funesto também o seu acolhimento…»

jdact

«(…) No dia 29 de Dezembro de 1440, a rainha abandonou a fortaleza do Crato com a filha, ainda criança de peito, seguida pela sua pequena corte de fidelíssimos servidores. D. Leonor dirigiu-se para Arronches, localidade próxima da fronteira com Castela, e dali entrou no seu reino de origem, em direcção a Albuquerque, outrora feudo da sua mãe e naquele momento em poder do irmão, o infante Enrique de Aragão. A infanta Joana de Portugal entrou assim como exilada no reino ao qual regressaria quinze anos mais tarde como rainha consorte. O cronista Alonso de Palencia, coerente com os fins difamatórios da crónica que começaria a escrever no final da vida de D. Joana, não deixaria de se referir à grande influência que as rivalidades da rainha D. Leonor com o cunhado Pedro, e a sua fuga de Portugal, tiveram na formação da personalidade da sua filha mais nova. Na primeira parte daquela obra, chegaria a escrever que o duque de Coimbra detestava D. Leonor e que por inveja procurara uma maneira de a expulsar, ou porque ansiasse pela honra para si próprio, ou por receio da debilidade feminina, que comummente adopta ou sugere maus conselhos, ou porque se ofendera com o rumor popular de uma relação desonesta entre a sua cunhada e o arcebispo de Lisboa. Esta última acusação não só não tinha bases documentais como foi inclusivamente desmentida por um testemunho do próprio regente.

A Rainha Triste
D. Leonor de Portugal não permaneceu muito tempo em Albuquerque. Tinha pressa em falar com o seu cunhado, o rei de Castela, para lhe pedir que a ajudasse a resolver os seus problemas em Portugal. No entanto, o momento não era o mais propício. Embora Alvaro de Luna continuasse fora da corte, as relações entre o monarca e a mulher, a rainha D. María (principal instigadora contra o valido), continuavam muito más, como o tinham sido praticamente desde o dia do casamento. Algo que não favorecia certamente a causa da rainha exilada, que pensara fazer-se valer da irmã como mediadora. Apesar disso, Leonor, com a sua filha pequena, abandonou Albuquerque rumo a Arévalo, feudo de María, para aí falar com a irmã e o irmão, o infante Juan de Aragão, rei consorte de Navarra, principal aliado da rainha castelhana na recente campanha contra o valido Álvaro. Pouco depois da chegada de Leonor, o consorte navarro denunciou num manifesto de agravos o que ele e a liga de nobres opositores do rei castelhano consideravam ser a principal causa das desavenças conjugais entre esse monarca e a sua esposa, e que não era outra que não a intromissão do condestável na vida íntima dos reis. Um documento que convertia as relações sexuais do casal real castelhano em argumento de discussão política e pública.
D. Leonor não se deixou arrastar pelo rancor que dominava a irmã e, poucos dias depois, foi com a filha para Ledesma, onde se encontrava o seu cunhado. Ao não obter do monarca sequer uma promessa de ajuda, decidiu mudar-se para Zamora, ali próximo, onde se viu obrigada a empenhar parte das valiosas jóias que herdara da mãe. Não seria essa a única frustração que a progenitora de Joana teria de enfrentar naquela altura. Estava há muito pouco tempo na vila de Zamora quando recebeu uma mensagem do conde de Barcelos, a quem reclamara a ajuda prometida antes de fugir para o Crato. O conde respondeu que nesse momento lhe era impossível prestá-la, impedido pela presença das tropas do regente nas proximidades dos seus feudos. Leonor não teve outra alternativa que não a de adiar a sua entrada em armas em Portugal e recorrer de novo à hospitalidade da irmã. De acordo com o que contaria trinta anos mais tarde o cronista Palencia, referindo-se à vida da rainha D. Leonor neste período, veio aquela com tristeza e acompanhada da sua tenra filha Joana ao reino de Castela, procurando ao lado da sua querida irmã e dos caros irmãos um lenitivo para a amargura do seu desterro. A companhia de Leonor foi mui o grata à sua irmã, a rainha María de Castilla, atormentada naquela ocasião pelas suas próprias angústias. Funesta foi, no entanto, a vinda de Leonor, funesto também o seu acolhimento e funesta por fim a criação da infanta Joana no reino de Castela». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT