O rei João II em Carnide em 1483
«(…) A possibilidade que defendemos de localizar e até datar o encontro
de Colombo e João II em Carnide resulta de ter sido precisamente aí que se
encontra atestada a única presença próximo de Lisboa de João II durante a parte
do seu reinado em que Colombo esteve em Portugal. Tal facto é possível de
determinar através da análise do itinerário
de João II entre 1481 e 1485, tal como este foi estabelecido por Joaquim Veríssimo Serrão.
Graças a este trabalho verificamos que durante aqueles anos e mais precisamente
entre 1483 e 1484, anos durante os quais se tem situado tal encontro, o rei
esteve quase sempre longe de Lisboa, com receio da peste, tendo começado em 1483 por estar em Santarém / Almeirim /
Torres Novas (Janeiro / Maio), andando depois por Avis / Évora (Maio / Junho).
O rei João II ficou em Évora até 13 de Julho com a única excepção de ter atestado a sua presença em Carnide a
12 de Junho de 1483. Foi neste
dia que aí assinou uma carta enviada a Garcia de Meneses, bispo de Évora,
acusando-o de abusos de jurisdição que punham em causa a autoridade régia. Por
estes dias decorria em Évora o processo
contra o duque de Bragança, que a 30 de Maio fora preso sob a acusação de
conspiração, tendo sido executado a 20 de Junho, depois do libelo acusatório
ter sido preparado durante vinte e dois dias.
Continuando a seguir o itinerário de João II verificamos que este
esteve em Évora até a deixar a 13 de Julho indo depois para Abrantes, onde
estava a 15 de Julho, iniciando a 12 de Outubro uma extensa volta pelo Norte do
país que o levou a Lamego, Vila Real, Chaves, Bragança, Guimarães, Braga, Barcelos,
Porto, Aveiro e Coimbra até chegar a Santarém cerca de 24 de Março de 1484. Assinalamos ter sido nesta última
povoação que se verificou um conjunto de factos relacionáveis com a recusa do
apoio ao projecto de Colombo, de entre os quais realçamos os seguintes
ocorridos a:
- 8 e 14 de Abril, o rei recompensou generosamente Diogo Cão, recém chegado dos seus descobrimentos do Congo e Angola;
- 15 de Maio, atestou-se a presença do licenciado Calcedilha;
- a 30 de Junho de 1484 prometeu-se a Fernão Domingues Arco a doação da capitania de uma ilha que há de ir buscar.
A7 de Julho de 1484, João II
foi até Alcochete e depois Setúbal, de onde a 12 de Setembro foi para Évora e
de seguida para Castelo Branco, até voltar para Santarém/Almeirim entre
Outubro/Novembro e ir até Coruche e Montemor-o-Novo em Dezembro. Face a este
panorama das deslocações de João II podemo-nos perguntar porque é que João
II estando em Évora em Junho de 1483
se decidiu a sair daí para fazer uma rápida incursão a Carnide por volta do dia
12 de Junho, tanto mais que durante o seu reinado não atestou qualquer outra
presença nesta residência. A resposta que sugerimos é a de que esta súbita e
rápida deslocação de João II a este local se possa relacionar com o encontro
com Colombo, por ser precisamente nesse sítio que se encontravam as canas que
tanto interessavam o genovês, como depois interessaram Behaim e Münzer.
Além desta perspectiva há a considerar, na sequência de uma observação de
Joaquim Veríssimo Serrão, que o
monarca queria deixar a justiça agir livremente no respeitante à
condenação do duque de Bragança. Manuela Mendonça chamou-nos ainda a
atenção no sentido de que João II nomeou um
monteiro para Carnide a 30 de Maio, Álvaro Gonçalves. O facto de haver
documentos de chancelaria para este dia, com registos de Évora, nada significa,
pois a dita pode ter ficado a trabalhar e ele ter ido só com um escrivão.
O rei teria muitos outros sítios para se deslocar mas quanto a nós a
sua opção de ir a Carnide recaiu nesse lugar secundário e tão afastado de Évora
por causa da coincidência de ser aquele onde se encontravam as canas que se
alegava virem do Oriente e tanto interessavam Colombo». ». In José Manuel Garcia, D. João II
vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012,
Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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