História do Romantismo em Portugal
«(…) Foi o romantismo
emanuelico o que entrou tardiamente em Portugal, predominando a feição
religiosa em Herculano, e a medieval e cavalheiresca em Garrett; Castilho,
como uma espécie de Ducis,
representava o pseudo-clacissimo post-revolucionario. As torpesas da
Restauração, as agitações da Inglaterra provocando a implantação do regimen
constitucional, as revoluções liberaes nos diversos estados, fizeram renascer
nos espíritos mais intelligentes os princípios de 1789; as naturesas ingénuas e fortes protestaram contra o
obscurantismo da Santa Alliança, como Byron, ou pugnaram pela Independência
nacional, como Thomaz Moore, ou Mickievik, ou perderam a esperança na causa da
justiça, e formaram o grupo dos incomprehendidos, como Shelley, Espronceda,
Leopardi e Heine. É este propriamente o período do romantismo liberal, também
conhecido por duas manifestações distinctas, os satanicos, cuja exaltação
sentimental é conhecida pelo nome de Ultra-Romantísmo, e essa outra
eschola que se distingue por ter sabido introduzir na idealisação litteraria os
interesses reaes da vida moderna, a que se deu tardiamente o nome de Realismo.
É esta a ultima phase do Romantismo, que subsiste identificando os seus
processos descriptivos com a disciplina da sciencia; falta-lhe ainda o intuito
philosophico, ou o processo deductivo, para poder tomar como objecto da arte o
condicionalismo da actividade e das relações humanas. O fim do Romantismo na
Allemanha foi a sua dissolução em trabalhos de sciencia, que Gervinus
define: transição da poesia para a
sciencia e do romantismo para a critica. E accrescenta: Os próprios mestres da poesia, cuja vida se prolongara até aos novos
tempos, os Goëlhe, os Rückert e os Uhland, seguiram a grande direcção d'esta
época, e reconcentraram-se cada vez mais no seio da sciencia. Egual
dissolução se operou em França, com a renovação dos estudos históricos, com a
erudição critica da poesia da Edade Media, e com a concepção realista na arte;
mesmo a Portugal chegou essa corrente de dissolução critica do Romantismo, que
ainda persiste como no seu ultimo reducto em Hespanha.
Expôr as causas que
levaram a Europa a esquecer-se das :suas relações com a Edade Media, como
conseguiu descoibril-as, comprehendel-as e renovar n'esse conhecimento as suas
instituições politicas, litterarias e artisticas, tal é a ideia geral, que
julgamos indispensável para a intelligencia da Historia do Romantismo em Portugal.
Ideia Geral do Romantismo
Como a Europa se Esqueceu da
Edade Media
Quando a Edade media acabava de sair da elaboração syncretica e lenta de
uma civilisação, quando estava terminado o cyclo das invasões, criadas as
línguas vulgares, caracterisadas as nacionalidades, definidas as formas sociaes,
inventada a poesia sobre tradições próprias, quando lhe competia dar largas a uma
plena actividade, tudo isto foi desviado do seu curso natural, pelos dois grandes
poderes que dirigiam o tempo. A egreja modelando a sua unidade sobre a administração
romana, e a realesa fortalecendo a sua independência sobre os códigos
imperiaes, fizeram como estes proprietários das margens dos rios tornados inavegáveis
por causa dos açudes, torceram a corrente, violaram a marcha histórica dos tempos
modernos a bem das suas instituições particulares. No meado do século XV a Europa
estava quasi esquecida de que provinha da Edade media; no século XVI era essa edade
considerada um estádio tenebroso pelo qual se passara como provação providencial.
O modo como o conhecimento das relações da civilisação moderna com a Edade media
se obliterou, é um problema histórico de alta importância: as linguas vulgares foram
banidas da participação litúrgica, e o latim a pretexto da universalidade tornado
a lingua official da egreja e das suas relações com os estados; como nas mãos do
clero estava a exploração litteraria, por um habito inveterado o latim tornou-se
até ao fim do século passado (XVIII) a linguagem exclusiva da sciencia. D'aqui uma
impossivel vulgarização». In Teófilo Braga, História do Romantismo em
Portugal, Ideia geral do Romantismo, Garrett, Herculano, Castilho, Nova
Livraria Internacional, Imprensa Sousa Neves, Lisboa, 1880.
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