quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Estelas e Terra Amarela. Victor Segalen. «Admiramos-lhe a longevidade: caminhando sem pressas, transporta a sua vida para além dos mil anos. Não esqueçamos aquele seu poder de augurar através da concha, cujo abaulado, imagem da carapaça do firmamento…»

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Estelas
«São monumentos que se resumem a uma superfície de pedra, erguida ao alto, contendo uma inscrição. Cravam no céu da China os seus rostos planos Deparamos com elas inopinadamente: à beira das estradas nos pátios dos templos, diante dos túmulos. Assinalando um facto, um voto, uma presença, obrigam-nos a parar, de pé, frente a frente com elas. Na oscilação degradada do Império, só elas implicam estabilidade. Epígrafe e pedra trabalhada, eis, inteira, a estela, corpo e alma, ser completo. O que a sustenta e o que está por cima é apenas puro ornamento, e por vezes falso brilho. O pedestal reduz-se a uma plataforma ou a uma pirâmide compacta. A maioria das vezes é uma tartaruga gigantesca, de pescoço esticado, mandíbula ameaçadora, patas arqueadas, encolhidas debaixo do peso. E o animal é verdadeiramente emblemático; o gesto é firme e o porte exaltante.
Admiramos-lhe a longevidade: caminhando sem pressas, transporta a sua vida para além dos mil anos. Não esqueçamos aquele seu poder de augurar através da concha, cujo abaulado, imagem da carapaça do firmamento, reproduz todas as mutações dele: esfregada com tinta e seca ao fogo, nela se descobrem, nítidas como no céu diurno, as paisagens serenas ou tempestuosas dos céus futuros. O pedestal em forma de pirâmide é igualmente nobre. Representa a sobreposição magnificente dos elementos: na base, ondas providas de garras; depois, filas de montes lanceolados; a seguir o lugar das nuvens e, por cima de tudo, o espaço onde brilha o dragão, a morada dos Sábios Soberanos. É daí que se ergue a Estela.
O topo, esse, é composto por um duplo espiralado de monstros que tecem seus esforços arqueando os emaranhados no rosto impassível da lápide. Deixam lugar para uma cártula onde se inscreve a transmissão. E, às vezes, nas Estelas clássicas, sob os ventres de escamas no meio do pulular das patas dos pedaços de caudas, das garras e dos espinhos, surge um buraco redondo, de bordos rombos que atravessa a pedra e por onde o olho azul do céu longínquo faz pontaria a quem chega.

No tempo dos Han, há dois mil anos, quando se enterrava um caixão, erguiam-se em cada um dos extremos da cova grandes peças de madeira. Furadas mesmo a meio por um buraco redondo, de bordos rombos eram elas que suportavam os eixos do guincho donde pendia o morto na sua pesada caixa colorida. Se o morto era pobre e leve a pompa, bastavam duas cordas a deslizar pela abertura para fazer o trabalho. Para o caixão do imperador ou de um príncipe, o peso e as conveniências exigiam um cabrestante duplo e, por consequência, quatro apoios. Ora esses apoios de madeira perfurados por um olho já então se designavam pelo nome de Estelas. Decoravam-nos com inscrições que falavam das virtudes e dos cargos do defunto. Libertaram-se mais tarde da sua utilização exclusivamente fúnebre: acabaram por ser suporte de tudo e já não apenas de um cadáver, mas de vitórias, edictos, resoluções piedosas, um elogio de devoção, de amor ou de delicada amizade. Mas a marca do cabrestante ficou.
Mil anos antes dos Han, na época dos Tchu, mestres dos Ritos, recorria-se já à palavra Estela, mas para uma qualificação diferente, e esta sem dúvida original. Significava um poste de pedra, com uma forma não indiferente mas esquecida. Esse poste erguia-se no grande salão dos templos, ou ao ar livre, num átrio importante. Função: … no dia do sacrifício, diz o Memorial dos Ritos, o príncipe arrasta a vítima. Mal o cortejo transpõe a porta, o príncipe amarra a vítima à Estela, (para aguardar tranquilamente o golpe). Logo, era uma paragem, a primeira na cerimónia. Toda a multidão em marcha ali vinha deter-se. Ainda hoje todos os passos se interrompem diante da Estela, só ela imóvel no cortejo incessante pautado pelos palácios de tectos errantes». In Victor Segalen, Stèles, Terre Jaune, Pequim 1912, Edições La Difference, Paris, 1989, Edições Cotovia, Lisboa, 1996, Fundação Oriente, ISBN 972-8028-72-5.

Cortesia de FOriente/JDACT