«(…) Talvez o povo,
renovando um costume sentencioso das idades passadas, lhe venha a dar o nome de
Luís-o-Bom. Hoje, nas
sociedades democratizadas, não há já possibilidade histórica de que um Rei
conquiste o cognome de Grande. (...) Um príncipe moderno, brilhante,
cultivado, requintado, de aptidões complexas e fortes, de inteligência largamente
absorvente, de vida excelentemente pura, sobe por seu turno ao trono sete vezes
secular. Começa este reinado no momento em que, pela dispersa hesitação das
inteligências, pelo incurável enfraquecimento das vontades, pela desorganização
dos Partidos, pela inércia das Classes, o Rei surge como a única força que no
País ainda vive e opera. É por isso mesmo que a autoridade vital, que desde 1820 se escoara do trono e se espalhara
pelas instituições democráticas e pelos corpos que as encarnam, parece refluir
ao Trono para nele se condensar de novo. É a fase também da suprema ironia
queirosiana. Do mesmo ano de 1889,
note-se outro texto de Eça, publicado anonimamente no n.º 29 de Março do
jornal O Tempo, em resposta a um comentário que, na véspera, Pinheiro
Chagas fizera, no Correio da Manhã, à designação de Vencidos da Vida. O escritor
começa por caricaturar, referindo-se ao grupo
jantante que todas as semanas se reunia no hotel Bragança:
Homens que assim se reúnem poderiam logo, neste nosso bem amado país,
ser suspeitados de constituir um sindicato, uma filarmónica ou um partido. Tais
suposições seriam desagradáveis a quem se honra de costumes comedidos; o
respeito próprio obriga-os a especificar bem claramente, em locais, que, se em
certo dia se congregam, é apenas para destapar a terrina da sopa e trocar
algumas considerações amargas sobre o Colares.
Logo adiante, o tom é
mais dramático, definindo bem o espírito da Geração de 70 nesta sua
fase final do grupo dos Vencidos da
Vida:
... para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da
realidade aparente a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirava.
Que este ideal íntimo, a que os mais
importantes representantes da Geração de 70 aspiravam, não foi historicamente
atingido prova-o ainda o suicídio de Antero, em 1891. Entretanto, a burguesia fin-de-siècle, indiferente às
aspirações dos Vencidos da Vida,
prepara-se para uma nova fase da sua história, a da instauração da República,
uma república que nasceu da pequena burguesia e que foi, como disse António
Sérgio, meramente formal, sem
ideias, saída de uma romântica dramatização da política e sem nada melhorar no
que é estrutural e básico. Restam as grandes obras literárias dos
maiores da Geração de 70. Essas, ainda que obrigatoriamente ligadas e mesmo
momentaneamente dependentes de condições históricas e sociais específicas, não
podem ser julgadas pelas mesmas leis de transformação e, eventualmente, de
progresso.
Vidas e Obras
Dificilmente se poderá
estabelecer um paralelo entre as vidas dos principais componentes da Geração
de 70. Se as suas origens sociais foram diferentes, da fidalguia açoriana
de Antero de Quental à média burguesia lisboeta de Oliveira Martins,
passando pela média burguesia portuense, culturalmente mais fechada, de Ramalho
Ortigão e pela alta-burguesia ainda com restos de aristocracia de Eça de
Queirós, as suas carreiras profissionais e as suas tomadas de posição
políticas foram por vezes opostas. Da mesma maneira, embora momentaneamente os
seus interesses culturais coincidissem, as suas formações filosóficas,
literárias e mesmo políticas foram bem diversas. Mas houve essa convergência
momentânea, esse ponto de encontro histórico decisivo, esse súbito partilhar de
ideias, em suma, essa vontade comum de redescobrir Portugal no seu todo. E isso
bastou para que a dinâmica da geração se desencadeasse. A data oficial deste desencadear de
ideias é a de Maio-Junho de 1871, ou seja, a data das Conferências do Casino,
em Lisboa. Mas antes e depois, através dos seus pontos em comum, para lá mesmo
do que os separa, a Geração de 70 acaba por afirmar-se como uma geração cultural
das mais homogéneas». In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 -
Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa,
Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT