Macau na conjuntura político-económica de Extremo Oriente, 1841-1844
Da guerra do ópio ao Tratado de Nanquim. Macau, uma cidade disputada por três impérios
«(…) De facto, o superintendente britânico na China, Charles Elliot,
pediu várias vezes ao longo do conflito ao governador de Macau que concedesse
aos ingleses licença para residirem na cidade e fazerem a partir daí as suas
transacções comerciais. O governador Adrião Acácio Silveira Pinto, conhecedor
da fragilidade do poder da Coroa portuguesa em Macau, não quis descontentar
nenhum dos beligerantes e acabou por consentir inicialmente proteger as vidas e
propriedades dos súbditos britânicos, [...] menos no que diz respeito à
contravenção das Leis do Imperador da China sobre o ilegal tráfico do Ópio.
Elliot, satisfeito com a resposta, pensou logo em levar mais longe as suas pretensões
e, por isso, apressou-se a pôr à disposição de Silveira Pinto o dinheiro do
tesouro britânico, que ele considerasse necessário, para levar a cabo a defesa de
Macau e da Taipa, tanto pelo lado marítimo como terrestre. Ao que parece, o governador
de Macau deve ter percebido as segundas intenções do superintendente inglês e
recusou a proposta. Perante a insistência dos ingleses, Silveira Pinto comunicou-lhes
então que estava na disposição de manter
a mais severa e restrita neutralidade enquanto as autoridades chinesas
não pusessem em prática as suas ameaças. Por sua vez Elliot, ao ver que o
governador de Macau se mantinha firme nas suas convicções, recomendou a lord
Palmerston que ordenasse a ocupação de Macau. Desconhecemos as directrizes que
o Foreign Office terá dado a este respeito ao seu representante na
China. Ao certo só sabemos que entre Agosto de 1839 e Fevereiro do ano seguinte verificaram-se pelo menos duas
tentativas britânicas de ocupar Macau. Independentemente de estas decisões
terem ou não sido tomadas em Londres, o seu conteúdo já era suficiente para
relembrar às autoridades portuguesas de Macau e Lisboa que o estatuto deste
território permanecia indefinido e que o
interesse que os britânicos tinham nele se mantinha intacto.
Mesmo depois de ultrapassados estes dois períodos críticos, Silveira Pinto
ainda escreveu ao ministro da Marinha e Ultramar que o verdadeiro objectivo de
Elliot continuava a ser [...] introduzir alguma força inglesa na
Cidade com o aparente fim de proteger o Estabelecimento escondendo o real que
era o estabelecerem-se eles mesmos aqui. Apesar disso, em meados de 1840, quando começaram a chegar os
reforços militares vindos da Índia, os britânicos partiram à conquista de
outros portos do Império situados mais a norte. Este deslocar do conflito em
direcção ao Norte teve uma dupla consequência para Macau: a cidade perdeu a sua importância política e recuperou
temporariamente a supremacia económica porque, devido à estagnação comercial de
Cantão, as mercadorias que se destinavam ao Império Chinês começaram a passar
outra vez por lá. Em consequência do aumento do movimento do porto de Macau, os
cofres da Fazenda Pública e de muitos particulares encheram-se de novo rapidamente.
No entanto, o apogeu económico-financeiro e a diminuição da pressão britânica
sobre o Estabelecimento não devem ter feito esquecer a Silveira Pinto uma outra
problemática que começou a acentuar-se no final da década de 1830: o não reconhecimento da soberania
portuguesa em Macau por parte das autoridades chinesas. A importância deste
assunto justifica que nos detenhamos agora sobre ele. Em primeiro lugar, cabe
aqui referir que Silveira Pinto, poucos dias depois de ter chegado a Macau,
apercebeu-se logo daquilo a que chamou a singularidade do Estabelecimento e,
por isso, recomendou ao Governo de Lisboa ser [...] essencialmente necessário
que o governador nomeado para esta cidade seja dotado de muita prudência e ao mesmo
tempo de muita energia.
Ora, foi precisamente esta prudência
e energia que Silveira Pinto começou por usar com os britânicos e que
depois aplicou também às suas relações com os chineses. Não obstante, o
governador nunca deixou de defender que Portugal é o verdadeiro senhor de
Macau e [...] tem legítimo domínio nele [e] nem a isto pode obstar a ideia de
foro. Partindo destes princípios básicos, no mês de Maio de 1839, Silveira enviou para Lisboa
algumas propostas de reformas que foram tomadas em linha de conta alguns anos
mais tarde. De entre as alterações sugeridas contava-se então o [...]
foro que todos os anos se paga e de que já se poderia estar livre se aqui
tivesse havido mais patriotismo, e se não se tivessem desperdiçado ocasiões
importantíssimas de se tornarem independentes, [...] a medição dos navios ou
por outra o direito de ancoragem que lhes pertence e a pouca decente
dependência em que se está e sempre se esteve dos Mandarins».
In Maria Teresa Lopes Silva, Transição de Macau para a Modernidade,
1841-1853, Orientalia, Fundação Oriente, 2002, ISBN 972-785-035-9.
Cortesia da FO/JDACT