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Arquitectura da criação
«Em João Vêncio: os seus amores, Luandino surpreende pela novidade:
neste romance ele reúne, num processo de criação particular, a invenção de
novas palavras, a destruição de estruturas linguísticas e a infracção das
normas sintácticas. Suas estórias descrevem um mundo peculiar, criado, sem dúvida, a partir da memória, mas o
próprio autor é impulsionado pelo desejo de uma nova estética em contraposição àquela
imposta pelos colonizadores. Assim, o primeiro passo foi tentar romper com a
linguagem institucional, subverter a sintaxe e o léxico na busca da
reestruturação de uma nova expressividade, mais angolana e menos lusitana. Aqui
a dor da infância revela um mundo de caos e destruição, um mundo onde é
necessário começar tudo de novo. Pensamos que é neste sentido que devemos
entender toda a obra de Luandino. Aqui fica consolidada a
herança de múltiplas tradições, que perseguem o autor desde a infância e que se
traduz numa obra densa e rica. João
Vêncio é o testemunho da descoberta que caminha à procura de uma
identidade. Neste caleidoscópio de emoções e pensamentos, voltamos à infância,
aos oito anos da personagem principal. Encontramos um cruzamento de histórias: vizinhas
espancadas, reflexões sobre a amizade, a língua, a religião.
A educação de criança tive de mãe e de
madrasta, afirma João Vêncio.
O pai inicialmente pedreiro, acabou como industrial
da padaria. Mas a maior alegria do nosso protagonista era encher o coração de ódio, furando os olhos aos pássaros e cometendo
outras atrocidades.
Escravo das suas
paixões, os seus amores desenham uma estrela de três pontas, e todos os amores
pertencem às memórias da infância. Só a bailundina está fora. E é
justamente a bailundina que João Vêncio tenta
estrangular, logo no início da narrativa. Dividido entre vários amores (todos
com um uma história trágica à mistura), na constelação amorosa tudo se
confunde:
Eu é que sou escravo dos meus amores, a estrela de três pontas com o
seu centro dela, a Florinha que não era minha. A Màristrêla e o Mimi, meu só
amigo; a menina Tila, asila, doutora, o seu perfume torrado em baixo do céu de
veludo, no quente das pernas.
Por linhas tortas, João Vêncio será também herói, palhaço,
sábio e santo. João veio para confundir e fazer pensar, e nenhuma das suas facetas
dá conta da sua personalidade e verdade. Pensamos que essa busca incessante de
identidade, que força o nosso protagonista a crescer, representa uma
reconstrução poética das memórias de Luandino.
Conclusão
Nos textos analisados, pretendemos demonstrar que na obra de Luandino
não temos apenas uma visão nostálgica da infância, mas sim um projecto de
criação literária em função do sentido interno do tempo. Ao assumir a imagem do
velho contador de estórias, Luandino faz renascer a memória
tradicional africana. Mas parece-nos que na estética de Luandino esta tradição é
recriada em função de suas contradições internas permanentes, o que, em geral
se encontra em autores brasileiros como José Lins do Rego, Jorge Amado,
Graciliano Ramos; ou ainda, em Guimarães Rosa, a propósito da recriação linguística.
Por fim, parece-nos adequado concluir com Luandino, em seu texto A Guerra dos fazedores de chuva com os
caçadores de nuvens, que, relativamente ao sentido interno do tempo
como princípio absoluto da liberdade, só
as crianças podem ser ao mesmo tempo vítima, testemunha, juiz e carrasco».
In Adriana Mello Guimarães, Luandino Vieira, O Mineiro Angolano da
Memória, Artigos e Ensaios, Revista Crioula, nº 3, 2008.
Cortesia de Revista Crioula/JDACT