A duquesa e Joana d'Arc
«(…) Materialmente, a condessa teria podido visitar Joana durante a sua
deslocação à Picardia. Mas, conhecendo o distanciamento que o duque Filipe
tomou relativamente ao caso, ficando impassível face às exigências dos
dignitários da Igreja e deixando João de Luxemburgo tomar a iniciativa, nenhum
outro verdadeiro sinal é conhecido, a não ser a reaproximação ao rei de França
que se tornará efectiva dois anos mais tarde, depois da grande reunião de
Arras. O historiador contemporâneo Michel Lamy admite que Isabel possa ter visto Joana prisioneira em Noyon, mas não
apresenta nenhum documento novo.
NOTA: Sem indicar a sua fonte, M. Lamy escreveu: Ao longo
dessa permanência em Beaulieu, que durou uma dezena de dias, Jeanne foi
conduzida um dia a Noyon, onde residia o duque de Borgonha e sua mulher, Isabel
de Portugal, que a teria encontrado. Uma tradição sugere que Jeanne pernoitou
uma noite em Noyon.
O Capítulo do Tosão de Ouro em Lille
A duquesa Isabel apoiava
Filipe, então a ocupar a cadeira do ducado de Brabante na cidade senhorial de
Bruxelas, uma maneira também de impressionar pelo fausto o povo desta capital
recentemente colocada sob a sua protecção. A duquesa e as respectivas damas
assistiram às cerimónias, procissões e missas solenes ao lado de embaixadores,
outros hóspedes e oficiais da Câmara. No início de Novembro de 1431, fizeram demonstração do seu poder
sobre a região no decurso de uma assembleia convocada por Filipe, que sempre
desejoso de ilustrar os seus cavaleiros, além da procura de brilho, fez
anunciar pelos arautos a celebração do primeiro capítulo (reunião magna)
do Tosão de Ouro, previsto
para Lille no dia de Santo André. A cerimónia começou nesse mesmo dia. Dezoito
cavaleiros do Tosão de Ouro, rejubilando, seguiram com o duque desde o
palácio local até, à Igreja de São Pedro. Quatro cavaleiros ausentes, os senhores
de Saint-Georges, de Saint-Pol, João de Luxemburgo e
Reignier Pot, fIzeram-se representar. A sessão de entronização teve
lugar na presença dos oficiais do capítulo a que presidia o teólogo bispo de
Nevers, Jean Germain, acompanhado do escrivão, Jean Imbert, do tesoureiro Guy
Guibault, e do novo rei de armas do Tosão de Ouro, Jean Lefèvre de
Saint-Remy, que escreveu crónica.
No dia seguinte, na missa, quando decorria o ofertório, correspondendo
ao apelo do rei de armas, cada cavaleiro ou procurador, precedido do
Grande Mestre, depositou uma moeda de ouro. Estavam presentes os reis de armas
de Flandres, Brabante, Artois e Hainaut, arautos e numerosos candidatos de
armas do duque e de vários senhores. Mestre Jean Germain, durante uma homilia,
explicou então as relações das historietas
bíblicas do juiz Gedeão com a lenda mitológica de Jasão que perseguia o Tosão
de Ouro. O miraculoso velo de carneiro de Gedeão, beneficiando dos
auspícios de Jeová, seria a arma que melhor inspiração traria aos cavaleiros
que tomavam o compromisso de defender a cruz, missão que o bispo de Nevers os
exortou a cumprir sem descanso para pôr fim ao mundo pagão. Outras cerimónias,
marcadas sempre pelo aparato hierárquico, se seguiram, incluindo jantares
faustosos. No decurso deste primeiro capítulo da ordem, Simon de Lalaing e o
conde Fréderic de Meurs foram armados cavaleiros. Soberano mestre, Filipe
fazia-se rodear por cerca de uma trintena de cavaleiros, escolhidos um a um
entre os melhores e os mais dedicados, aperfeiçoando assim a organização da imponente
guarda de honra cujos estatutos faria promulgar pouco depois.
Filipe, o Bom,
não fundava a acção da sua cavalaria somente sobre a Igreja mas queria-se
também um protector, um fiel escudo
dos papas que não se opunha jamais à sua autoridade. Atribui-se-lhe igualmente
uma devoção que o levava a rezar durante horas. A história conta os repetidos
esforços e as despesas calculadas pelo duque tendo em vista organizar uma
cruzada à Palestina. Certos historiadores explicaram esta obstinação profunda pelo
desejo de vingar a derrota de Nicopolis face aos Turcos e a prisão de seu pai.
Mas Jean Paviot, que estudou bem o assunto, conclui que no fundo de Filipe, o Bom, há um profundo desejo de defesa da fé
cristã em geral, contra os infiéis e os heréticos, e a libertação da Terra Santa».
In
Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore,
2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração
da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa,
2010, ISBN 978-972-23-4374-9.
Cortesia de Presença/JDACT