domingo, 2 de fevereiro de 2014

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «… em 1432, quando os tecelões de Gand se insurgiram contra a política monetária do duque, ela junta-se aos almotacéis e decanos de ofícios para obter do marido um acordo sem reparações»

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A sublevação dos flamengos
«(…) Prefigurando as funções de uma primeira-dama moderna, a duquesa começou por intervir nos assuntos do exercício do poder, ao lado do duque, enquanto força apaziguadora de conflitos. E relatado pelo cronista Lefèvre Saint Remy a cena de pedido de perdão ao duque, no decurso da qual a duquesa, ladeada por André Toulongeon e pelo preboste da igreja de Saint-Omer, se manifestou a favor dos habitantes da castelania de Cassel. Estes estavam em rebelião desde 1427 para defender os seus direitos consuetudinários postos em causa pelo bailio e Filipe acabou por submetê-los, no princípio de 1431, depois de uma verdadeira manifestação de força. Os de Cassel tinham apelado a Paris e a outras personalidades, temendo o pior em caso de derrota. Entretanto, em Bruxelas, Isabel dava à luz o seu primeiro filho, António, a 30 de Dezembro de 1430. De novo, em 1432, quando os tecelões de Gand se insurgiram contra a política monetária do duque, ela junta-se aos almotacéis e decanos de ofícios para obter do marido um acordo sem reparações. A duquesa Isabel foi muitas vezes associada às negociações que estabeleciam um novo entendimento após estas rebeliões.
O alargamento territorial do Estado borgonhês a partir do Norte teve como consequência uma perda de direitos dos representantes das cidades flamengas. O reforço do poder principesco conduziu, na realidade, a uma diminuição dos privilégios adquiridos por esses burgos onde as actividades artesanais e comerciais se achavam mais desenvolvidas. O descontentamento das populações provocou violentas revoltas nas quais Filipe, o Bom, acabou por triunfar submetendo-as às suas decisões, levando assim a uma mudança nas relações de força. Para lá dos momentos críticos, parece demonstrado que, na partilha das tarefas, desde cedo, a duquesa tomou à sua conta as questões monetárias e comerciais das cidades, bem como as ligadas à defesa, para as quais tinha uma sensibilidade apurada. O historiador português Oliveira Martins (1845-1894) procurou captar o génio de que eram dotados os seus irmãos, tendo alguns deixado marca na História. A época excepcional e a personalidade da mãe, a rainha D. Filipa de Lencastre, terão tido certamente papel determinante no despertar desses talentos. Na corte do pai, o rei João I, a expansão além-mar empreendida pela família real desde as costas de Marrocos (Ceuta, Tânger), depois de 1415, tinha um objectivo comercial. Ceuta era um porto de escoamento das mercadorias agrícolas do interior do país mas também um ponto de acesso aos produtos do Oriente. Quando Isabel assumiu as funções que sua mãe desempenhava na corte portuguesa, Lisboa estava em pleno crescimento, abrigando comerciantes chegados de toda a Europa. Ela estava, pois, preparada, desde 1431, para participar no governo do ducado. vindo a assumir importantes cargos de administração dos estados borgonheses.

A campanha contra as tropas do rei de França
Com o alargamento das possessões do ducado aos condados do Norte, o duque de Borgonha residia muitas vezes na Flandres, em Bruges e em Bruxelas. Mas a ameaça das tropas reais estacionadas no vale de Yonne, depois de terem conquistado Noyers e Avalon, exigiu uma resposta do duque Filipe, que se dirigiu, em Janeiro de 1432, a Dijon, deixando a Isabel, novamente grávida, o governo dos Países Baixos. Encontramo-la em Gand rodeada de conselheiros: o bispo de Tournai, que a tinha casado, Jean Toisy, os senhores Antoine Croy e Jean Roubaix, assim como Roland Uutkerque. Jean Gand, um dos secretários do duque, ficara também ao seu serviço. A duquesa teve de se ocupar da consolidação da paz de Liège, principado que tinha entrado em conflito com Namur, sob o poder dos duques desde 1429.A cidade de Liège deveria pagar uma indemnização de 100 000 nobles. Isabel exerceu a delegação do poder durante quatro meses, dispondo do selo confidencial, revelando grande aptidão para as questões financeiras. Substituirá ainda o duque, em Abril de 1433, quando este parte para a Holanda, empenhando-se progressivamente nas tarefas de administração. Poucos meses depois, em Junho, os duques, juntos, puseram-se a caminho da Borgonha para defender as suas terras do Sul. E, desta vez, o governo dos territórios do Norte foi confiado ao seu sobrinho João Borgonha, conde de Étampes, assistido por um conselho». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT