Um reinado de terror criado pelos piratas. O cavalheirismo das armas
portuguesas
«(…) Enquanto as forças imperiais continuavam desorganizadas e
desmoralizadas as frotas unidas dos piratas assumiam tais proporções que, segundo
uma crónica chinesa, em 1551, já não
era possível desbaratá-los. Em vão procurou o governo chinês vencer, por todos
os meios possíveis, o seu extraordinário chefe. Depois de devastar várias
cidades em Foquien os piratas mudaram-se para o Sul, em 1557, provocando grande consternação em
Cantão. Segundo as tradições de Macau, nesta conjuntura, os portugueses
atacaram e destruíram um grande número de piratas, desalojando-os do seu abrigo
em Macau, pelo que os sobreviventes da horda se refugiaram numa ilha, desde
então chamada Ilha de Ladrões.
Com este feito de armas os portugueses adquiriram a posse de Macau. Os notáveis
serviços por eles prestados foram relatados ao imperador, que expressou o seu reconhecimento
enviando ao seu comandante a chapa de
ouro. Nesse mesmo ano, 1557, os
mandarins e os mercadores de Cantão obtiveram a sanção imperial para os
portugueses se estabelecerem em Macau.
O imperador confirmou isto em documentos que seguidamente foram gravados em
pedra e em madeira na casa do Senado de Macau. O que foi feito
destes documentos é um enigma; já
não há registo sequer dos que foram gravados em pedra. Como foi
afirmado pelo visconde de Santarém, na sua Memória sobre o estabelecimento dos
portugueses em Macau na China, por sistemática negligência a história
de Macau tem sido deixada envolta na obscuridade durante séculos, sem as provas
documentais absolutamente necessárias para resolver as questões que se levantam
do intrincado dos relatos contraditórios. Mesmo em relação à origem da colónia
é demasiado estranho que dois historiadores contemporâneos, Barros e Couto,
a não refiram nas suas Décadas,
embora o silêncio de Couto possa ser devido ao facto de parte dos seus
manuscritos ter sido destruída. Mas nem mesmo Camões menciona Macau nos Lusíadas, parcialmente compostos numa
gruta, lá, quando a cidade estava a ser fundada. Obviamente, nenhum deles
acreditava na estabilidade da colónia depois de tantos desaires na China. E só
após dois séculos de mansa subserviência aos mandarins foi dada a seguinte
versão oficial à autonomia original da colónia, como foi recolhido dos registos
nos arquivos de Lisboa:
O mar da China estava infestado de piratas e insurrectos, que
espalhavam a destruição no comércio e na navegação quando, após a devida
preparação, os portugueses assaltaram os bandido, e em breve limparam o mar de
escória, para grande olívio e alegria dos chineses. Os portugueses carregaram,
então, sobre Heang-shan, onde grandes extensões estavam dominadas por um
poderoso chefe. Depois de forte resistência este foi vencido e a ilha tomada
pelos vassalos da coroa de Portugal; disso resulta que a soberania em questão é
fundamentada no direito de conquista, adquirido pelas armas de Portugal e à
custa do sangue português. Ocupada a ilha, e sendo Macau melhor adaptado para
fins comerciais, o cidade foi construída naquela península. Isto, os chineses
não teriam permitido a não ser por reconhecerem inteiramente os direitos portugueses
sobre aquele território. Nem os portugueses teriam incorrido no pesado gasto
que fizeram ao construir a cidade se não estivessem completamente certos dos
seus direitos para assim fazer independentemente das leis e do governo da
China. Está tradicionalmente registado, contudo, que para melhor salvaguarda os
fundadores de Macau insistiram para que a sua possessão fosse confirmada pelo
imperador chinês que, em paga pela salvação dos seus súbditos das depredações e
atrocidades dos piratas, não só anuiu ao pedido mas também outorgou aos
portugueses muitos privilégios e isenções.
Esta é a versão dada num exaustivo memorando de Martinho
Melo Castro, o celebrado ministro das Colónias. Por outro lado, os
cronistas chineses atribuem à colónia uma origem muito diferente. Segundo o Ming Shi, os francos aproveitaram-se
da preocupação da China com os piratas para tomarem posse de Macau. Em seguida,
o comércio estrangeiro, que embora proibido desde 1522, tinha sido tolerado em Tienpak por mor dos emolumentos
fiscais foi, por meio de subornos, desviado em 1534 para Macau, onde os francos e vários comerciantes orientais
asseguraram uma posição, estabelecendo-se uma
espécie de estado de sua propriedade». In Carlos Montalto de Jesus,
Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do
Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.
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