Um reinado de terror criado pelos piratas. O cavalheirismo das armas
portuguesas
«(…) No entanto, o Ao-men Ki-lioh (Ou Mun Kei Leok), ou História
de Macau, afirma que os portugueses chegaram a Macau em 1550, quando já lá tinha sido
concentrado o comércio. Com a finalidade
de conseguir facilidade especiais os portugueses subornaram as autoridades de
Macau com uma renda de 500 taéis por ano. Como os chineses estavam, então,
completamente ocupados em repelir os- piratas japoneses, foi considerado melhor
não expulsar os portugueses de Macau, mas manter boas relações com eles, e
vigiá-los, atentos a futuras emergências. A crónica de Heangshan pretende
que, em 1553, chegaram a Macau
alguns navios estrangeiros cujos capitães alegaram que, durante um tufão, artigos
que eles traziam como tributo tinham sido molhados pela água do mar e pediam
autorização para os secar em terra, ao que o hai-tao assentiu. Nessa
altura, foram só levantadas barracas de esteira. Mas os mercadores, seduzidos
pela expectativa de lucro, vieram sub-repticiamente e construíram casas; e
desta forma os francos obtiveram uma admissão ilícita ao império e os
estrangeiros começaram a instalar-se em Macau. Sem tomar em conta ou sem
reparar nas discrepâncias reveladas neste discordante trio chinês, Ljungstedt,
no seu Historical Sketch of the Portuguese Settlements in China, impugna
a versão de Martinho Melo Castro sem apresentar qualquer prova documental do
contrário; e desviando-se do relato altamente preconceituoso, pelas suas
características pronunciadamente chinesas, da crónica de Heangshan, explica a
presença portuguesa em Macau com o simples facto de, para abrigo temporário e
para secar as mercadorias estragadas pelo mar, os mercadores portugueses terem
pedido e conseguido autorização para desembarcar e construir cabanas em Macau. Neste deturpado e capcioso relato
baseia Ljungstedt os seus argumentos contra a versão portuguesa; e para
dar colorido às suas opiniões preconceituosas o sofista recorre à sistemática
prevaricação e a conclusões sem escrúpulos deduzidas de factos relativos a uma
época, felizmente passada, em que a precária colónia, governada por mandarins,
apresentava um aspecto deplorável que em nada se assemelhava à sua originária
categoria autónoma. Na primeira edição do Historical Sketch, publicada em
Macau em 1832, Ljungstedt atreve-se
a conjecturar que a eliminação da
pirataria foi uma lenda e o formidável chefe dos piratas, Chang Si Lao, outro
não era que o famoso Ching Chi Lung que, à queda dos Ming, combateu os manchus
como pretendente ao trono. Referindo-se a um desaparecido golden
chop (a chapa de ouro atrás mencionada) pelo qual, supõe-se Macau foi
cedido aos portugueses, Ljungstedt objecta que, a ter existido, tal documento poderia ter tido uma transcrição
autenticada dos arquivos imperiais da China; e, porque um alegado
inquérito em Cantão, como seria de esperar, resultou inútil, conclui
que, assim como a derrota de Chang Si Lao, o golden chop é uma mera
invenção característica da corrida marcial, que dava valor apenas às possessões
que tinham sido conquistadas à ponta da espada. Na edição revista e alargada do
Historical
Sketch não há a mínima referência ao golden chop e a suspeita
quanto à identidade do pirata aparece reduzida à simples interrogação de poder
o nome de Chang Si Lao ter sido confundido com o de Ching Chi Lung.
Et
voilà justement comme on écrit I'histoire.
Uma completa supressão nesta instância teria sido
menos desastrada do que esta fraca tentativa de apoiar uma conjectura leviana
face a provas históricas convincentes que o contradizem, provas que
Ljungstedt evita ou falseia com uma consumada subtileza. E as suas
prevaricações são tanto mais odiosas quanto, em grande parte, o Historical
Sketch é o fruto de cuidadosas pesquisas feitas por dois literatos
portugueses: Miranda Lima, que em tempos projectara escrever ele próprio
uma história de Macau, Ljungstedt obteve papéis valiosos; e através do bispo
Saraiva teve acesso a uma grande quantidade de documentos de grande interesse
histórico. O uso que ele deve ter feito desses papéis pode ser avaliado pela forma
como trata os relatos de vários autores. Segundo Mendes Pinto, em 1557, os mandarins de Cantão, a
pedido de mercadores nativos, deram Macau aos portugueses, que, tendo
transformado a região inculta numa bela colónia europeia, lá viveram tão
confiadamente e em segurança como se ela estivesse situada na parte mais segura
de Portugal. Mas Ljungstedt põe o muito calunido Mendes Pinto a
dizer que os chineses e os portugueses conviviam em Macau porque os mandarins
permitiram aos estrangeiros que aqui se fixassem e abstém-se da menor alusão à
confiança e à segurança inerentes à posse legítima da colónia». In
Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em
Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.
Cortesia da F. Oriente/JDACT