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A
Cultura da Urgência
«(…)
onde tudo é urgente, quando se generaliza o recurso a procedimentos de
urgência, desaparece a normalidade temporal em relação à qual tinha sentido,
como excepção, a possibilidade de uma via de urgência. O estado de urgência
permanente contribui para fragilizar as organizações e é terreno fértil para o
desencadeamento de crises graves, como mostra o exemplo dos hospitais, das
catástrofes das bolsas ou do debilitamento da política perante as pressões
imediatas. É preciso compensar a necessária velocidade do mundo com espaços de
deliberação, reflexão e normalidade temporal. A configuração do futuro depende
da estabilidade e previsibilidade do ambiente social. A instabilidade do
contexto e das condições e das condições da decisão que decorre da aceleração
social obriga o indivíduo, as organizações e as instituições a uma permanente
revisão de expectativas, a reinterpretar as experiências e a voltar a
determinar as operações de sincronização e coordenação. As sociedades modernas
necessitam de equilibrar a estabilidade e a dinamização: a aceleração, para ser
benéfica, exige condições gerais estáveis que proporcionem a segurança e a
previsibilidade sem as quais seriam impossíveis determinadas dinâmicas. Uma certa
lentidão das regras do jogo facilita a evolução de outras dinâmicas; não há
inovação social sem estabilidade institucional.
Contra
a falsa mobilidade
Se
é certo, como vimos, que a suposta aceleração geral da nossa época tem o seu
contraponto ambivalente em fenómenos correlativos de desaceleração, e se a
generalização da urgência arruína o próprio conceito de urgência e tem, não
raras vezes, efeitos paralisantes, teremos de concluir que a análise da nossa
temporalidade deve ser completada com a ideia de que existe também uma falsa
mobilidade. Poderíamos concluir que do progresso morreu o finalismo e ficou
viva a dinâmica. Em última instância, as sociedades combinam a sua resistência
à mudança com uma agitação superficial. A utopia do progresso transformou-se
numa utopia técnico-informática, em movimento desordenado, neofilia frenética, agitação sem regras e dissipação de
energia. Ficou apenas uma aceleração vazia, aquela mobilização total de que
falava Sloterdijk (1987), seguindo a ideia de Ernst
Jünger, e a que Taguieff chama bougisms (2002), um cego cada vez mais de novidades
técnicas ou de globalização económico-financeira, um espaço social instável e
um campo psicológico neurótico. Esta rotinização do movimento decreta o imperativo
da aceleração em todos os âmbitos, aquilo a que Paul Valéry chamava regime
de substituições rápidas. É um activismo que se traduz em exasperação
inquieta, fuga para diante, para o sempre
mais da técnica ou da economia num presente global histórico. Este tipo
de temporalidade quadra muito bem com o nosso sistema económico, baseado nas
ideias de crescimento e desenvolvimento, aumento de produção, expansão dos
mercados e inovação técnica». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus
Inimigos, (uma defesa da esperança política), Teorema, 2011, ISBN
978-972-695-960-1.
Cortesia
de Teorema/JDACT