Ana de Castro e o Salvamento da Clepsydra
«(…) E há jogos, como
exercício de linguagem (um exemplo que refresca a nossa memória: ganha mais
depressa quem disser: (...) o rato
roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia; ou Dão badalão / cabeça de cão / orelhas de gato / não tem coração. E há
ainda os contos e casos da tradição popular ouvidos e recontados, de que
o exemplo mais vivo deve ser porventura A história do macaco: Do meu rabo fiz navalha / da navalha fiz
sardinha / da sardinha fiz farinha /, da farinha fiz menina /, da menina fiz viola
/, Frum / fum-fum /, que eu vou para Angola!
O Lugar das Mães era para a pedagoga uma secção, que se destinava a auxiliar as mães na sua alta missão de
educadoras e criadoras de verdadeiros portugueses pelo sangue e pela tradição,
manifestando o seu reconhecimento pelas provas de interesse por este trabalho
que tão útil nos parece à cultura nacional, aumentando o conhecimento do nosso já
rico folclore coleccionado.
Por outro lado, Ana de Castro
Osório foi uma das primeiras feministas, luando por causas
indiscutivelmente justas, sendo uma delas (imagine-se!) a amamentação
dos filhos..., pelas mães, a qual defendeu nos folhetos, de distribuição
gratuita, A Bem da Pátria; fundou a Liga
Republicana das Mulheres Portuguesas e durante a guerra de 1914-18
teve um papel activo na propaganda patriótica e na assistência aos soldados
portugueses, criando, e mantendo, a Cruzada
das Mulheres Portuguesas. Antes disso colaborara com Afonso Costa na
feitura da Lei do Divórcio, questão a que consagrou o volume intitulado A Mulher no Casamento e no Divórcio.
NOTA: Não foi em vão o amor de Ana de Castro Osório pelas
crianças e a sua luta pela dignificação do lugar
das Mães. Depois de encontrar nos papéis de família um embrulho com toda
esta colaboração de uns centos de páginas no Diário de Coimbra, li a uma
neta, com 6 anos, muitas das quadras aqui citadas, e ouvi-a gostosamente cantar
o Papagaio loiro, O lagarto pintado quem te pintou? o Era uma vez um gato maltez..., e outras
invenções do nosso povo que são repetidas (e glosadas) nos coros e
divertimentos das escolas de hoje.
A sua actividade feminista não foi ainda objecto de uma obra que
descreva essa corajosa e tenaz actividade, durante toda a vida, contra
preceitos (não só preconceitos) enraizados inclusive na lei civil. Com
33 anos, Ana de Castro Osório
escreve o manifesto da causa feminina,
Às Mulheres Portuguesas (1905),
depois traduzido para francês. Aí denuncia a condição dramática das nossas
mulheres, do milhão de portugueses que sabem ler e escrever a sua língua,
apenas um terço são mulheres!, e, não menos grave, o estatuto legal, pois
segundo o Código Civil na mulher casada não pode negociar, exercer uma
indústria ou uma profissão, inclusivamente escrever para público e publicar os
seus livros, sem autorização do marido. Ana
de Castro Osório deseja que a mulher deixe de ser ignorante e inferior
(a rapariga portuguesa não tem opiniões,
para não ser pedante; não lê, para não ser doutora e não ver espavoridos os
noivos, que por acaso a procurassem; que passem, pelo contrário, a ser
conscientes e autónomas, companheiras e aliadas do homem, as verdadeiras
educadora dos seus filhos:
Ser feminista não é querer as mulheres umas insexuais, umas masculinas
de caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las criaturas de inteligência
e de razão, educadas útil e praticamente de modo a verem-se ao abrigo de qualquer
dependência, sempre amarfanhante para a dignidade humana».
In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada
pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN
972-8753-43-8.
Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT