quarta-feira, 18 de junho de 2014

O Amor de Camilo Pessanha. António Osório. «… e mantendo, a ‘Cruzada das Mulheres Portuguesas’. Antes disso colaborara com Afonso Costa na feitura da Lei do Divórcio, questão a que consagrou o volume intitulado ‘A Mulher no Casamento e no Divórcio’»

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Ana de Castro e o Salvamento da Clepsydra
«(…) E há jogos, como exercício de linguagem (um exemplo que refresca a nossa memória: ganha mais depressa quem disser: (...) o rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia; ou Dão badalão / cabeça de cão / orelhas de gato / não tem coração. E há ainda os contos e casos da tradição popular ouvidos e recontados, de que o exemplo mais vivo deve ser porventura A história do macaco: Do meu rabo fiz navalha / da navalha fiz sardinha / da sardinha fiz farinha /, da farinha fiz menina /, da menina fiz viola /, Frum / fum-fum /, que eu vou para Angola!
O Lugar das Mães era para a pedagoga uma secção, que se destinava a auxiliar as mães na sua alta missão de educadoras e criadoras de verdadeiros portugueses pelo sangue e pela tradição, manifestando o seu reconhecimento pelas provas de interesse por este trabalho que tão útil nos parece à cultura nacional, aumentando o conhecimento do nosso já rico folclore coleccionado.
Por outro lado, Ana de Castro Osório foi uma das primeiras feministas, luando por causas indiscutivelmente justas, sendo uma delas (imagine-se!) a amamentação dos filhos..., pelas mães, a qual defendeu nos folhetos, de distribuição gratuita, A Bem da Pátria; fundou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e durante a guerra de 1914-18 teve um papel activo na propaganda patriótica e na assistência aos soldados portugueses, criando, e mantendo, a Cruzada das Mulheres Portuguesas. Antes disso colaborara com Afonso Costa na feitura da Lei do Divórcio, questão a que consagrou o volume intitulado A Mulher no Casamento e no Divórcio.

NOTA: Não foi em vão o amor de Ana de Castro Osório pelas crianças e a sua luta pela dignificação do lugar das Mães. Depois de encontrar nos papéis de família um embrulho com toda esta colaboração de uns centos de páginas no Diário de Coimbra, li a uma neta, com 6 anos, muitas das quadras aqui citadas, e ouvi-a gostosamente cantar o Papagaio loiro, O lagarto pintado quem te pintou? o Era uma vez um gato maltez..., e outras invenções do nosso povo que são repetidas (e glosadas) nos coros e divertimentos das escolas de hoje.

A sua actividade feminista não foi ainda objecto de uma obra que descreva essa corajosa e tenaz actividade, durante toda a vida, contra preceitos (não só preconceitos) enraizados inclusive na lei civil. Com 33 anos, Ana de Castro Osório escreve o manifesto da causa feminina, Às Mulheres Portuguesas (1905), depois traduzido para francês. Aí denuncia a condição dramática das nossas mulheres, do milhão de portugueses que sabem ler e escrever a sua língua, apenas um terço são mulheres!, e, não menos grave, o estatuto legal, pois segundo o Código Civil na mulher casada não pode negociar, exercer uma indústria ou uma profissão, inclusivamente escrever para público e publicar os seus livros, sem autorização do marido. Ana de Castro Osório deseja que a mulher deixe de ser ignorante e inferior (a rapariga portuguesa não tem opiniões, para não ser pedante; não lê, para não ser doutora e não ver espavoridos os noivos, que por acaso a procurassem; que passem, pelo contrário, a ser conscientes e autónomas, companheiras e aliadas do homem, as verdadeiras educadora dos seus filhos:

Ser feminista não é querer as mulheres umas insexuais, umas masculinas de caricatura, como alguns cuidam; mas sim desejá-las criaturas de inteligência e de razão, educadas útil e praticamente de modo a verem-se ao abrigo de qualquer dependência, sempre amarfanhante para a dignidade humana».

In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN 972-8753-43-8.

Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT