domingo, 8 de junho de 2014

As Regências na Menoridade do rei Sebastião. Elementos para uma História Estrutural. Maria do Rosário Azevedo Cruz. «Que Portugal jurasse condicionalmente na falta del Rey D. Sebastião por successor da Coroa ao Príncipe D. Carlos seu Neto, servindo para facilitar a execução desta empreza, quando não bastasse a conveniência de ambas as Monarchias…»

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A Primeira Transmissão de Poderes- 1557. Os termos de uma definição de regência
«(…) Por ocasião da morte de João III, Carlos V dirigiu-se a outra colaboradora, fortalecendo-lhe a posição: a rainha D. Catarina. Na sua mente pretendia assegurar o projecto de sucessão espanhola, levar a resoluções contra as quais o rei defunto teria argumentado que a herdeira de rei português sem filho varão não deveria casar senão com português, perdendo o direito à coroa se casasse com príncipe estrangeiro. Invocando todos estes antecedentes, do seu retiro de Yuste, Carlos de Habsburgo enviou a Lisboa, após a morte de João III, o jesuíta que fora grande de Espanha e companheiro da meninice de D. Catarina, o pe. Francisco de Borja. Queiroz Velloso sublinha os objectivos da missão de Francisco Borja. Em primeiro lugar, o imperador pretendia assegurar a colaboração de D. Catarina para o caso de se tornar viável, à morte de Sebastião, a sucessão no trono português do príncipe Carlos. Recorria para isso à declaração de defeito na bula de dispensa de parentesco entre o rei Manuel Ie sua segunda esposa, que em tempo lhe revelara Miguel da Silva e que possibilitava recursos para opor a uma eventual descendência de Sebastião. Se existisse este erro, podia ser chamada à coroa D. Maria, filha do casamento de Manuel I com D. Leonor de Áustria. Dever-se-ia averiguar se o embaixador de França teria proposto o casamento de Sebastião com a filha de Henrique II, lembrando que era mais conveniente casar com a filha do rei da Boémia, que poderia ser trazida a Portugal e educada por D. Catarina. Finalmente, deveria ser activada a saída de D. Maria para Castela, o que cortaria as veleidades que pudesse ter quanto à sucessão no trono português.
Alterou-se o povo contra a presença dos enviados espanhóis a Portugal tão cedo após a morte do rei. Por temor do que se pudesse passar ou por inconfidência e imprudente conduta do pe. Bustamante, um dos companheiros do embaixador, logo em Évora-Monte a reacção popular foi tamanha que se temeu o apedrejamento dos espanhóis, e o pe. Borja reenviou o seu idoso e temperamental companheiro para Castela. Perante a situação que se generalizava, D. Catarina sentiu-se pressionada a recusar o que lhe era pedido por seu irmão: Que Portugal jurasse condicionalmente na falta del Rey D. Sebastião por successor da Coroa ao Príncipe D. Carlos seu Neto, servindo para facilitar a execução desta empreza, quando não bastasse a conveniência de ambas as Monarchias, o exemplo de ser jurado por successor da Coroa Castelhana El Rey D. Manuel, ao tempo que ainda a sustentavão em suas cabeças os Reys Catholicos Fernando, e Isabel.
Era este o pedido secreto que Francisco Borja devia comunicar e para cuja correspondência fora organizada cifra especial. Como o enviado era comissário geral da Companhia, poderia presumir-se em Portugal que vinha em visitação à província, e sómente à Rainha era patente a Embaixada, que seu Irmão occultamente lhe encomendara. A rainha recebeu esta embaixada e depois de precederem largas conferências, em que se ponderarão em grande circunspecção todas as circunstâncias deste negocio, resolveo a Rainha, que seria imprudencia publicar aquelle Tratado, acrescentando, não somente por ser pouco favorável aos interesses de Castela, como porque se havia esta politica prevenção interpretar pela fidelidade Portugueza, como infausto vaticinio da breve duração da vida de seu Neto D. Sebastião, o qual ainda que pudesse ser violento despojo da morte, o que o Ceo nunca permittisse, conservava esta Monarchia para reparo de tão fatal calamidade ao cardeal D. Henrique, em cuja venerável cabeça descançaria o pezo desta Coroa.
Outro motivo ainda, talvez o decisivo: Ultimamente concluio a Rainha, que era muito conveniente à conservação de ambas as Monarchias o não se penetrar o mysterio desta negociação, porque levantaria mayor tumulto no animo dos Portuguezes, do que tinha havido no Tejo em a noite antecedente, e como tinha noticia do successo de Evora-Monte, disse ao santo Borja com discreta galantaria: Y nos apedrearan a mi, y a vós como quizieron hazer con vuestro compafiero a la entrada de Portugal. D. Catarina e o pe. Borja enviaram, pois, um expresso a Carlos V, em cifra, no qual apresentavam as razões da inexequibilidade de tal publicação. O imperador recebeu a insinuação da irmã, a quem agradeceu a judiciosa política com que tinha impedido a execução de negócio de que se podião originar fataes consequencias, e pedia que tudo fosse sepultado no esquecimento». In Maria do Rosário Azevedo Cruz, As Regências na Menoridade de D. Sebastião, Elementos para uma História Estrutural, Temas Portugueses, Imprensa Nacional-Cazsa da Moeda, 1992, ISBN 972-27-0527-X.

Cortesia de INCM/JDACT