domingo, 8 de junho de 2014

Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI. Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez. «Parece que no segundo dia de Agosto tinha havido uma altercação entre ambos os irmãos, durante a qual ‘Pedro’ anunciara ao rei a sua intenção de abandonar a corte»

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Reddit Quod Recipit. Imagens das Festas de Casamento de Afonso VI
«(…) Mas interesses políticos também Castela os tinha. Não se pense que todas as potências se uniam contra os castelhanos e que estes, impávidos e serenos, assistiam às negociações sem moverem as suas peças no xadrez internacional. Sousa Macedo, na altura, lembrara que a Castela interessava ter Portugal malquisto com as potências estrangeiras (e quem não se recordava das intrigas que de Roma a Londres atingiam a reputação dos seus embaixadores?), e o governo atacado por rivalidades entre os próprios portugueses. E nesse dia 2 de Agosto, nessa manhã soalheira, eram evidentes os conflitos que assaltavam a corte portuguesa. Não se sabe se por obra e graça dos castelhanos. Ou se pela rede das circunstâncias, cujas linhas são hoje difíceis de descoser. A verdade é que o infante Pedro, irmão do rei e, segundo reza a lenda, o favorito da rainha D. Luísa de Gusmão para suceder na coroa (apesar de ser o filho mais novo de João IV), aparecia com o rosto sisudo, talvez descontente com o pouco protagonismo que lhe estava a ser concedido na condução dos negócios políticos do Reino. Internos e externos. Recusara, pouco tempo antes, todas as propostas de casamento entre ele e uma princesa estrangeira que os enviados do seu irmão e rei tinham negociado para si. Esta e outras situações tornaram bastante tensas as relações entre ele (e o vasto grupo de nobres descontentes que usualmente o acompanhavam) e o monarca, o seu valido e sua corte mais restrita. Por vezes, mesmo agressivas. Parece que no segundo dia de Agosto tinha havido uma altercação entre ambos os irmãos, que terminara numa troca mais desagradável de palavras, durante a qual Pedro anunciara ao rei a sua intenção de abandonar a corte de Lisboa, o mais depressa que lhe fosse possível. Ao que o rei lhe respondera que não o mandava por preceito, mas que se podia ir por sua vontade.
É certo que, como sempre, aliás, os relatos não são consonantes quanto a este ponto. Para alguns, as relações não eram tão tensas como constava e o rei amava verdadeiramente o infante, apesar de ser mal influenciado pelos seus ministros, especialmente pelo todo-poderoso conde de Castelo Melhor e o secretário de Estado, António Sousa Macedo. Mas para outros, o rei era francamente mau de coração, incapaz de amar alguém, nutrindo ódio e inveja por todos e especialmente por Pedro, mais belo do que ele e mais amado tanto pelos nobres cortesãos como pelos povos da cidade de Lisboa. Mesmo no estrangeiro, esta última imagem estava veiculada. L’esprit bas, l’humeur sombre et farouche de Afonso VI..., a própria rainha já disso devia ter conhecimento. E enquanto o rei era aloirado e débil, devido às febres que tivera na infância e que desde cedo o tinham incapacitado fisicamente (e mesmo psicologicamente, segundo muitos, de entre os quais se contavam alguns médicos), o infante era muito robusto, e bizarro no corpo, e a cor do rosto era mais de cigano do que de flamengo. Que impressão teriam estes traços físicos causado à dama francesa habituada aos requintes da corte do Rei Sol? Rainha cuja beleza ninguém se cansava de elogiar?
Qualquer que ela tivesse sido, uma coisa parece provável, gerir a situação não deve ter sido nada fácil. Talvez também por isso, António Sousa Macedo se tivesse desdobrado em esforços no sentido de que nada falhasse nesses dias. Era importante mostrar, tanto a nível externo como interno, que o governo era capaz, que a guerra prosseguia a bom ritmo, que o reino não estava enfraquecido, que a realeza se amava e que, à sua imagem e semelhança, era amada pelos seus povos. A exaltação do amor que unia os súbditos portugueses aos seus reis era um tópico que atravessava décadas e que, obviamente, era ressuscitado em cada evento desta índole. A organização de todo o programa terá sido da responsabilidade de Macedo, mas ainda assim, não é seguro dizer que somente uma linha programática envolvia o evento. Contudo, restam-nos vários testemunhos das iniciativas de Sousa Macedo nesse sentido. Competia-lhe fazê-lo, dado o seu ofício de secretário de Estado. Mas ter-se-ia tal tarefa reduzido a uma mera formalidade, ou a Sousa Macedo competira dar indicações sobre o modo como se deviam manifestar os povos de Lisboa durante os festejos, e sobre os conteúdos das pinturas que iriam inevitavelmente cobrir os arcos a construir para as celebraçõesIn Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez, Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI, Quetzal Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-564-268-6.

Cortesia de Quetzal/JDACT